PUBLICADO EM 09 de jan de 2018
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Na China, sistema de reconhecimento facial gera críticas e temores

Circuito interno de TV utiliza o sistema de reconhecimento facial em Pequim:sobram temores; ONGs de direitos humanos alertam que vigilância total anticrimes

Para Mao Ya, de 40 anos, a câmera de reconhecimento facial que permite o acesso ao seu apartamento é apenas uma conveniência útil.

— Se estou carregando sacolas nas duas mãos, basta olhar pra frente e a porta abre — diz ela.

Para a polícia, no entanto, o sistema que substitui os antigos meios de acesso servem a um propósito bem diferente: agora os agentes sabem quem entra e sai do prédio, ao combinar inteligência artificial a um enorme banco de imagens. A tecnologia ainda possibilita identificar possíveis suspeitos.

A iniciativa em Chongqing é uma pequena parte de um ambicioso projeto, conhecido como “Xue Liang”, que pode ser traduzido como “Olhos Atentos”. A intenção é conectar câmeras de segurança que já vigiam rodovias, lojas e meios de transporte com câmeras particulares em prédios, integrando todas num serviço de vigilância nacional que compartilha informações. No conjunto habitacional de Mao, “90% dos crimes são causados pelos 10% de pessoas que não são registradas”, diz o relatório policial. “Com o reconhecimento facial, podemos reconhecer estranhos, analisar a quantidade de vezes que entram e saem, ver quem passa a noite lá e quantas vezes tudo isso acontece”.

Reconhecimento facial fica para trás
Enquanto sistemas de reconhecimento facial podem ser úteis para a polícia identificar suspeitos de crimes, a tecnologia americana ainda não atendeu as expectativas.

Em 85% dos casos, um grupo de 50 candidatos produz um resultado correto e 49 falsos positivos.

Mas em 15% dos casos, o sistema aponta todos os 50 como falsos positivos, fazendo que agentes tenham de peneirar os dados.

O governo chinês está trabalhando em conjunto com a indústria de tecnologia, desde gigantes do ramo até start-ups fundadas por estudantes de universidades americanas e ex-empregados de companhias como Google e Microsoft. Segundo os executivos chineses envolvidos no projeto, o objetivo é jogar luz em cada beco escuro da China e eliminar o crime. Até 2020, o governo pretende tornar o sistema de vigilância “onipresente, totalmente integrado e controlável, sempre operante”, combinando coleta de dados com técnicas de algoritmo para predizer onde crimes são mais prováveis de ocorrer.

Com cerca de 62 milhões de câmeras de vigilância em 2016, os EUA têm uma maior quantidade per capita que a China, com cerca de 172 milhões. No entanto, a ambição da nação asiática diferencia os dois países. As forças policiais ocidentais tendem a usar o reconhecimento facial para identificar suspeitos, não monitorar ativistas sociais, dissidentes ou grupos étnicos. A China, no entanto, procura atingir diversos objetivos: dominar a indústria de inteligência artificial, aplicar conjuntos grandes de dados para observar cada aspecto da sociedade e manter a vigilância da sua população mais eficaz.

Nas demonstrações de três start-ups de reconhecimento facial em Chongquind e Pequim, vídeos exibidos em telões mostram faces pinçadas em multidões, combinadas com imagens de foragidos. Câmeras nas ruas automaticamente classificam pedestres de acordo com o gênero, roupas e até comprimento de cabelo. Além disso, softwares permitem que pessoas sejam monitoradas de uma câmera a outra, a partir apenas de seus rostos. Gradualmente, um modelo para o comportamento das pessoas toma forma, explica Li Xiafeng, diretor de pesquisas na empresa Cloudwalk.

— Uma vez que você identifica um criminoso ou suspeito, é possível observar conexões com outras pessoas. Se outros cidadãos têm ligações comuns, eles também se tornam suspeitos — completa.

Muito do financiamento das companhias vem de bancos e empresas financeiras que estão usando o reconhecimento facial para checar identidades, caixas-eletrônicos ou celulares. Alguns aeroportos já empregam a tecnologia em checagens de segurança, e hotéis começam a fazer o mesmo no check-in.

Na China, as empresas dizem ter uma precisão muito maior que, por exemplo, o FBI, o que é confirmado por especialistas — o país, afinal, tem acesso a um enorme banco de fotos do governo para melhorar seus algoritmos, sem que haja uma grande preocupação com a privacidade. Mais que qualquer outra coisa, a tecnologia necessita de uma grande quantidade de dados para chegar a algoritmos precisos. E a China tem mais dados que qualquer país e pouca restrição em consegui-los.

Ativistas denunciam uso político

Maya Wang, pesquisadora no Human Rights Watch, diz que o diferencial do país é a “completa ausência de uma proteção privada eficaz”, combinada a um sistema explicitamente criado para atingir indivíduos vistos como “politicamente ameaçadores”.

Na região de Xinjiang, de maioria muçulmana — e onde episódios violentos têm sido vinculados a separatistas ou radicais islâmicos — câmeras de reconhecimento facial vêm se tornando onipresentes em rodovias, postos de gasolina, estações de transporte coletivo e entradas para bairros muçulmanos. Zhang Xin, gerente de marketing da empresa por trás do Face++, defende que o software ajudou a polícia a prender quatro mil pessoas desde 2016, sendo mil em Hangzhou, onde uma grande quantidade de aparelhos foi instalada para o encontro do G-20, em 2016. Dentre eles, dezenas de dissidentes, ativistas e jornalistas detidos naquele ano.

Já Frances Eve, do Human Rights Defenders em Hong Kong, argumenta que as companhias de tecnologia estão violando direitos humanos.

— Basicamente, na China é crime lutar para proteger direitos humanos. O governo trata ativistas, advogados, tibetanos e uigures como criminosos. São eles que estão sendo pegos, presos e possivelmente torturados como resultado da tecnologia.

Fonte: O Globo

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