Um dos grandes nomes da bossa nova, o cantor e compositor Carlos Lyra morreu na madrugada deste sábado (16), no Rio de Janeiro. Ele estava internado no Hospital Unimed Barra, na zona oeste da cidade. Carlos Lyra tinha 90 anos. A causa da morte não foi informada.
“É com imensa tristeza que comunicamos a passagem do compositor Carlos Lyra, nessa madrugada, de forma inesperada. A todos, agradecemos o carinho”, informou uma publicação no perfil de Instagram do artista.
Um dos principais parceiros de Vinicius de Moraes, Lyra é autor de composições que ajudaram a formar a bossa nova, como Você e Eu, Coisa Mais Linda e Minha Namorada.
Carreira
Carlos Eduardo Lyra Barbosa nasceu em 11 de maio de 1933. Era carioca do bairro de Botafogo, na zona sul da cidade. De acordo com o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, começou a fazer música com um piano de brinquedo, aos 7 anos de idade. Na adolescência, quebrou uma perna durante uma atividade esportiva. A recuperação o deixou de cama por seis meses. Período que aproveitou para fazer uma imersão num dos instrumentos que seria um grande parceiro de vida, o violão.
Ainda no antigo segundo grau – o que hoje se chama de ensino médio – conheceu o compositor Roberto Menescal, com quem montou a primeira Academia de Violão, por onde passaram nomes como Marcos Valle, Edu Lobo, Nara Leão e Wanda Sá.
A primeira canção escrita por Lyra foi Quando Chegares, em 1954. Em 1955, iniciou a carreira profissional como músico, tocando violão elétrico no conjunto de Bené Nunes. Compôs Maria Ninguém, entre outras músicas com letras suas. Já em 1956, seu samba Criticando foi gravado pelo grupo vocal Os Cariocas.
Bossa nova
Entrou para o rol de ícones da bossa nova, ao lado de parceiros como Ronaldo Bôscoli, a dupla Tom Jobim e Vinícius de Moraes e o intérprete João Gilberto, todos representados no álbum Chega de Saudade, lançado em 1959 e que consolidou o estilo musical.
Carlos Lyra teve passagem também como diretor musical do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Foi um período em que entrou em contato com compositores populares como Zé Keti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros e João do Vale. O hino da UNE é uma parceria de Lyra com Vinicius de Moraes.
Atuou ainda como diretor musical da Rádio Nacional, exercendo o cargo até o golpe militar em 1964.
Por quatro anos, morou no México, onde se apresentou ao lado do saxofonista americano Stan Getz.
Em quase 70 anos de carreira, lançou e participou de inúmeros álbuns, se apresentou em shows dentro e fora do Brasil e musicou peças teatrais e filmes.
Toquinho, Baden Powell e Aldir Blanc também figuram na lista de parcerias. Além disso, se apresentou com diversos grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Leila Pinheiro e Nana Caymmi.
Em 2008, publicou o livro Eu e a Bossa Nova, sobre as trajetórias entrelaçadas da sua vida e do estilo musical.
Homenagens
Lyra era casado com Magda Pereira Botafogo. Ao completar 90 anos, recebeu uma série de homenagens. Uma delas é o lançamento do álbum Afeto, que faz um passeio por todas as fases e estilos da obra do compositor. Os arranjos foram feitos por João Donato, Marcos Valle, Jaques Morelenbaum, Antônio Adolfo e Gilson Peranzzetta.
O disco traz uma seleção de músicas interpretadas por vozes de grandes nomes da música brasileira, como Mart’nália, Gilberto Gil, Joyce Moreno, Ivan Lins, Caetano Veloso, Lulu Santos, Djavan, Marcos Valle, Patrícia Alvi, Fernanda Abreu, Leila Pinheiro, Wanda Sá, Paula Morelenbaum, Roberto Menescal, Edu Lobo e Mônica Salmaso.
Os shows de lançamento foram no começo de dezembro, no Sesc Pompeia, em São Paulo.
Confira uma música de Carlos Lyra, na voz de Nara Leão
Resistência
O conjunto da obra de Carlos Lyra, ou simplesmente Carlinhos, como era chamado por Vinicius de Moraes, abrange músicas de protesto. Um exemplo é A Canção do Subdesenvolvido. “A mais executada e foi proibidíssima”, lembrou ele em entrevista à Agência Brasil em 2009.
“O povo brasileiro tem personalidade/ não se impressiona com facilidade/ embora pense como desenvolvido”, criticava a letra.
O teor político de algumas canções fez com que Lyra optasse por um exílio voluntário entre 1964 e 1971.
“Eu tive problema depois do golpe por causa dessas canções. Elas foram proibidas de tocar nas rádios e nos lugares pelos militares e valeu uma ‘perseguiçãozinha’ contra mim também. Se eu não tivesse me exilado, eu teria sido preso com certeza para interrogatório. Antes que acontecesse alguma coisa, peguei minha trouxa e fui morar na matriz, logo nos Estados Unidos, junto aos donos do Brasil que era menos perigoso”, ironiza.
Estudantes
Lyra teve ligação também com a história da União Nacional dos Estudantes (UNE). A organização usou o X para se despedir e lembrar a atuação do músico. “O dia de hoje é de luto para os estudantes”, publicou.
“Lyra foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura em 1961, o CPC da UNE, que reuniu artistas de várias linguagens que viam na cultura o espaço ideal para propagar conscientização política e construir uma arte nacional, popular e democrática.”
O hino da UNE é fruto de uma parceria entre Lyra e Vinicius de Moraes. “Nosso hino é nossa bandeira. O nosso muito obrigado em nome das gerações de estudantes brasileiros que ele inspirou e vai continuar inspirando”, publicou o perfil.
Identidade carioca
Prefeito da cidade onde Lyra nasceu, Eduardo Paes manifestou no X que a morte do cantor é uma “perda para a cultura brasileira”.
“Seu legado é imenso e suas composições na bossa nova marcaram várias gerações ao redor do mundo. Lyra foi fundamental na construção da identidade carioca e brasileira”, completou.
O baterista João Barone, da banda Paralamas do Sucesso, foi mais um entre personalidades e anônimos que se despediram de Carlos Lyra nas redes sociais.
“Mais um dos arquitetos da bossa nova partiu, Carlos Lyra, um dos caras mais elegantes da nossa música”, lamentou.
Fonte: Agência Brasil
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