Por Carolina Maria Ruy
Entre os casarões erguidos sob terra batida do cenário fluminense Irineu contemplou a movimentação na capital do Brasil já pressentindo que profundas mudanças abalariam aquela realidade. Ao lado de outros objetos, negros eram expostos à venda e comprados por senhores e barões. A escravidão chocou o garoto, impressionado com tamanha violência.
Aquele era um contexto fértil para o crescimento do jovem Irineu. Com perfil moderno, afinado com a ideologia liberalista da Inglaterra, logo nos primeiros anos de trabalho revelou-se bom negociador e atraiu a atenção de grandes empreendedores. Irineu não viu dificuldades em ascender profissionalmente.
De desafio em desafio a vida social e profissional de Irineu andou de vento em popa. Sua astúcia era espantosa: em vez do reluzente ouro da nobreza, sonhava com a potencialidade do ferro e do carvão em criar indústrias e em alimentar uma rede de transportes que fizesse circular seus produtos.
O sucesso do empresário sinalizava novos tempos e ameaçava o Império, encarnado, no filme, na oposição implacável de Visconde de Feitosa.
Neste embate entre o velho e o novo, entre o atraso e o desenvolvimento, Irineu Evangelista, ou o Barão de Mauá, conseguiu feitos que marcaram nossa história. Entre outras coisas ele fundou a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, organizou o segundo Banco do Brasil, inaugurou a primeira linha de bondes, investiu, em sociedade com capitalistas ingleses e cafeicultores paulistas, nas estradas de ferro de Pernambuco (Recife & São Francisco Railway Co.) e da Bahia (Bahia & São Francisco Co.), e criou a São Paulo Railway (depois Estrada de Ferro Santos-Jundiaí), a quinta ferrovia do País, em 16 de fevereiro de 1867, arcando com todos os custos. Entusiasta do liberalismo econômico e conhecido por defender o fim da escravidão, preconizou a valorização da mão-de-obra, do investimento em tecnologia, das transnacionais brasileiras, da internacionalização do comércio e das relações com outros países da América do Sul. O Barão de Mauá foi um progressista em uma época em que o capitalismo representava um avanço em relação à arcaica economia escravista.
Idealista, sempre que não conseguia recursos, por meio de subscrições ou do apoio financeiro do governo, lançava mão das reservas de sua base de operações: o Banco Mauá & Cia. Alvo de enorme resistência, sofreu com várias intrigas dos conservadores. Suas instalações foram alvo de sabotagens criminosas e os seus negócios foram abalados pela legislação, que reduziu as taxas de importação sobre as importações de máquinas, ferramentas e ferragens (tarifa Silva Ferraz, 1860). Com a falência do Banco Mauá, em 1875, pediu moratória por três anos, sendo obrigado a vender a maioria de suas empresas a capitalistas estrangeiros e ainda os seus bens pessoais para liquidar as dívidas.
Como uma reflexão acerca de seu destino Irineu, falido, proclama que lutou para que tudo se movesse: os homens, as ideias, a economia. Reconhece sua perda, mas pondera que, ainda assim, a despeito da vontade do rei, o Brasil se moveu, seguindo a ordem natural das coisas.
A história nos mostra que o Barão de Mauá conseguiu retomar as rédeas de sua vida e de seus negócios. Contudo, falece em 21 de outubro de 1889, não assistindo, por uma questão de semanas, aquilo que consagraria seus ideais: o fim do Império e a Proclamação da República, em 15 de novembro daquele ano.
Mauá – O Imperador e o Rei
Brasil, 1999
Direção: Sérgio Rezende
Elenco: Paulo Betti, Malu Mader, Othon Bastos, Michael Byrne, Antônio Pitanga
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical. Do livro “O mundo do Trabalho no cinema”, publicado por Centro de Memória Sindical
Você pode ver o filme completo aqui: