PUBLICADO EM 14 de ago de 2018
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Histórias sobre culinária na era do #metoo

Entre histórias sobre culinária e tendências culturais, eu agora passo meus dias fazendo reportagens sobre sexismo, abuso sexual e assédio no mundo da comida.

Gavin Kaysen e Traci Des Jardins/Spoon and Stable

Por Kim Severson para Time

“Times Insider” fornece insights por trás das câmeras sobre como notícias, características e opinião veem juntas no “The New York Times”.

Traci des Jardins, uma chef da Califórnia do Norte com seis restaurantes, que uma vez venceu Mario Batali no “Iron Chef America”, me contou primeiro a história do sapo em 2005, quando eu a estava entrevistando para um artigo na “The Times”.

Ela tinha dezenove anos de idade e trabalhava no Troisgros, um templo da nouvelle cuisine em Loire, França, onde ela tinha estagiado. Ela era jovem, uma mulher e uma americana com raízes mexicanas, tão útil na severa e frequentemente brutal hierarquia da brigada francesa de cuisine, como um pacote de bifes crus poderia ser na jaula de um tigre.

Um fazendeiro havia trazido dúzias de sapos vivos. Um cozinheiro a chamou. Ela sabia que era uma armação, mas ela andou para preparar a mesa de qualquer maneira. Você não diz não numa cozinha profissional.

Dois cozinheiros estavam cortando os sapos no meio, divertindo-se pelo jeito que eles se contorciam e sangravam. Entregaram para ela um par de tesouras.

Ao invés disso, ela agarrou um sapo, olhou um dos cozinheiros diretamente nos olhos e jogou-o com força na mesa. Era, ela pensou, o jeito mais humano de fazer isso. Mas ela também queria fazer um ponto. E então ela continuou a preparar cada sapo para que suas pernas pudessem ser servidas para jantar.

Naquela época, eu vi isso como uma história de excepcionalismo, de quão ágil e resistente ela – e todas as mulheres chefs, realmente – tinham que ser para caminhar a longa estrada para o sucesso.

Agora, na era do “#MeToo” e com um crescente número de restaurantes erradicando assédio físico e sexual em todos os níveis de suas organizações, eu vejo a história como um flagrante exemplo de bullying e sexismo.

Como muitas pessoas, minhas lentes mudaram. E também o que se qualifica como notícias para escritores de comida.

Entre histórias sobre culinária e tendências culturais, eu agora gasto meus dias fazendo reportagens sobre sexismo, abuso sexual e assédio no mundo da comida.

As emoções envolvidas são mais fortes do que qualquer outras que eu tenha encontrado, desde que eu comecei a escrever sobre comida em tempo integral, vinte anos atrás.

A história de uma cultura chegando a um acordo com sutil assédio sexual se entrelaça através de questões de classe e raça, orientação sexual e gênero. As vozes das vítimas legitimamente têm nova força. E debates seguem sobre se os homens estão falando mais alto o suficiente contra isso, e se eles devem estar falando sobre isso afinal.

Há questões práticas: devem cozinheiros domésticos jogar fora os livros de receitas de chefs expostos por regularmente agarrar e fazer propostas sexuais para mulheres? E se o chef está enfrentando acusações de agressão sexual?

Você faria uma reserva num restaurante onde alegadamente ocorreram flagrantes assédios ou agressões sexuais? Devem chefs que cometeram comportamento de assédio que podem ser considerados porcarias de nível baixo serem permitidos a continuar suas carreiras? Ou eles são tão maus quanto os chefs acusados de estupro?

É a reforma, se para um chef de alto perfil ou um gerente de bar de baixo nível, uma opção?

E quando a camaradagem sexualizada que muitas pessoas nos negócios de restaurantes desfrutam atravessar para assédio?

As respostas para algumas dessas questões, eu descobri, mudam com as gerações.

Há uns meses eu moderei um painel de mulheres chefs em Nova Iorque, no Cherry Bombe Jubilee, uma conferência apresentada por pessoas que produzem mídia com enfoque nas mulheres nos negócios de comida.

Eu perguntei para o grupo de 800, a maioria mulheres, se alguém não tinha tido a experiência de assédio sexual. Era uma pergunta retórica.

Do meu poleiro no palco, eu vi apenas uma mão se levantar. Era Mimi Sheraton, a muito opinativa ex crítica de restaurantes e repórter do “The Times”, que tem 92 anos de idade.

Eu falei com outras mulheres da sua geração, que disseram que não sofreram assédio sexual, também. Algumas disseram que uma mulher cujo chefe a pressiona para sexo deve simplesmente deixar o emprego, que ficar bêbada e sentar no famoso colo do chefe convida para comportamento sexual não desejado. Muito do “#MeToo”, na opinião delas, é exagerado.

No outro lado do espectro estão as mulheres jovens (e muitos poucos homens), que acreditam que uma mulher não deve deixar um bom emprego porque um cozinheiro continua a bater nela, que ela deve ser capaz de deitar-se bêbada aos pés de quem ela quiser e não ser atacada.

No meio estão mulheres como a senhora Des Jardins, que sabia que aguentar o assédio era o preço para o sucesso, e desenvolveu maneiras de fazer os homens pararem com isso.

Não era o ideal, mas era a realidade.

“Nós não superamos isso, de qualquer modo”, ela disse, quando eu a chamei para falar sobre a história do sapo recentemente, “mas é tempo de prestar atenção nas pessoas que estão fazendo certo. E há muitas delas.”

Fonte: time.com

Tradução de Luciana Cristina Ruy

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