O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro Fernando Haddad explicou na noite de hoje (22), em Lisboa, a um público que lotou a Casa do Alentejo, para o debate Democracia e perda de direitos no Brasil, que “não houve mera alternância do poder” e que o governo de Jair Bolsonaro pode ser avaliado pelo discurso feito pelo atual presidente da República em Davos, Suíça, no Fórum Econômico Mundial.
“(Fora do país) as pessoas estão perplexas em relação ao Brasil. Há uma discrepância entre o que é veiculado pela imprensa no Brasil e o que é veiculado fora. Basta ver a repercussão do discurso de Davos hoje, na imprensa internacional e na local. Na imprensa local, estamos quase diante do discurso de um estadista”, ironizou. “Na imprensa internacional, a frustração é enorme. O Brasil nunca foi tão mal representado num fórum internacional. Ele mal conseguia falar o que tinha ido dizer.”
Em outro momento, acrescentou: “Não temos meios de comunicação imparciais que tenham compromisso com a verdade a todo custo. A maioria dos meios de comunicação são laudatórios do governo atual”.
Candidato à Presidência da República em 2018, Haddad avalia que o discurso em Davos passou “sinais péssimos e contraditórios”. “Não se sabe qual projeto de país. As idas e vindas são dramáticas sobre tudo. Amanhã você pode receber a notícia de que nada do que foi dito hoje está valendo. Porque há uma tutela dos militares.”
Ele questionou “a vinculação cada vez mais explicitada” de membros do governo e da família Bolsonaro com milícias. “Os gabinetes (de deputados) estão coalhados de milicianos. Por que um deputado contrata miliciano, parentes de milicianos para sua assessoria? Esse pessoal está preparado para fazer projeto de lei?”
Segundo Haddad, o governo é formado por três núcleos. “Um núcleo fundamentalista obscurantista, um neoliberal, e tem a tutela militar.” Ele observou haver diferença significativa entre perder uma eleição para a direita, porque neste caso uma parte dos direitos fica preservada, e ser derrotado pela extrema-direita. “Sobretudo (uma extrema-direita) dessa natureza que assumiu o Brasil. Tudo está em discussão: a escola laica, a auto-organização do movimento popular. Os líderes dos sem-terra e sem-teto podem ou não serem tratados como terroristas.”
O petista voltou a criticar a imprensa dizendo que ela “trata com naturalidade” fatos como, por exemplo, o ministro da Educação (Vélez Rodríguez) dizer que o Enem é do presidente da República e que ele pode censurar a prova elaborada por educadores. “Com todo respeito, quem é Bolsonaro para julgar um educador? Uma pessoa que não consegue elaborar uma frase com 10 palavras vai julgar um educador?”, questionou.
O ex-prefeito falou rapidamente sobre o escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro, outra vez usando ironia. “Se ele conseguir comprovar a evolução patrimonial, tem que substituir o Paulo Guedes. Porque trata-se de um gênio.”