A Colômbia está há quase duas semanas imersa em uma convulsão social. A revolta começou no dia 28 de abril com uma greve geral motivada inicialmente um projeto de reforma tributária que o governo do presidente Iván Duque mandou para o parlamento, aumentando imposto e tarifas de serviços como água, gás e energia elétrica. Diante da reação, Duque retirou a proposta, mas não bastou para que as pessoas voltassem para suas casas. A professora e ativista de direitos humanos Angela Mañunga-Arroyo, em entrevista ao programa Brasil TVT, da Rede TVT, na segunda-feira (10), detalhou que a greve na Colômbia continua por conta da bárbárie neoliberal e necropolítica do governo Duque.
A tentativa da reforma tributária, segundo ela, “foi a grande pauta, uma proposta que visava tirar recurso da população da classe média baixa para abastecer o grande capital”. Porém, uma vez o movimento iniciado, outras questões vieram à tona. “Não é só uma greve com a pauta da reforma tributária, mas também pela implementação do acordo de paz, contra a reforma da saúde que visa a privarização, exigindo oportunidades de educação e emprego, principalmente para a juventude negra, contra o feminicídio – a gente teve no começo do ano mais de 500 casos de feminicídio – contra a violência na população trans e toda a população LGBT. O assassinato de lideranças sociais – esse ano temos mais de 300 líderes de oposição assassinados pelo governo – o glifosato. Temos uma grande lista, todas relacionadas com a defesa dos direitos e da vida digna”.
“Na verdade, (a atual greve na Colômbia) é uma continuidade de outras greves que a gente já teve no país. Em 2017, teve uma grande greve do povo negro, principamente do Chocó e da Buenaventura (cidades colombianas), exigindo o reconhecimento de direitos em questões de saúde e educação. Em 2019 voltamos para as ruas em uma grande greve geral, em 21 de novembro, e teve um grande impacto nas nossas cidades por conta da brutalidade da polícia. Aí chega a pandemia e todas as dificuldades do governo nesta gestão”, detalha a professora.
“O povo unido jamais será vencido!”
Trabalhadoras e trabalhares músicos da Colômbia fazem apresentação em Medelín durante a greve geral contra as medidas neoliberais do presidente colombiano Iván Duque, que dentre elas está o aumento de impostos sobre os mais pobres. pic.twitter.com/DaVOoGGR7y— Natália Bonavides (@natbonavides) May 9, 2021
Desemprego e pobreza
Angela Mañunga-Arroyo abriu a entrevista se solidariezando com os brasileiros por conta do que chamou de “necropolítica do governo Bolsonaro” e também “por conta da chegada da PM no Jacarezinho, no Rio de Janeiro”, disse, referindo-se à chacina executada pela Polícia Militar na semana passada. “População da periferia, população preta, que é a mesma população que está sofrendo as fortes embates do neoliberalismo na Colômbia”, acrescentou.
A professora disse que pelo menos 26% da juventude colombiana, principalmente a indígena, não tem emprego. “Temos 90% da população vivendo com menos de um salário mínimo, 80% da população preta está em uma condição de pobreza sem acesso à saúde, à educação, sem rede hospitalar, morando na periferia, sem acesso a água e eletricidade o dia todo. Com a chega da pandemia, essas questões se aprofundam. Tem muita fome. O pessoal só tem sobrevivido por conta da solidariedade das comunidades. A população negra e indígena tem necessidade de sair para a rua para procurar emprego ou, na informalidade do comércio, conseguir alimento para os filhos, conseguir sobreviver. A gente tem ajuda do estado, mas elas não dão conta da grande dimensão da probreza, fome e precarização da vida da população.”
Assim como Bolsonaro, “o governo Duque demorou muito com a negociação das vacinas. A gente não tem um esquema de vacinação, ainda não tem uma garantia para grande parte da população que tomou a primeira dose, que vai tomar a segunda dose”, acrescenta Mañunga-Arroyo.
Violência do Estado
Assim como no Jacarezinho, e em inúmeras outras matanças no Brasil, a população colombiana é vítima da violência promovida pelo Estado. Só nessa greve foram 37 mortes, além de diversos outros casos. “Já são 11 vítimas de violência sexual, onze mulheres estupradas pela polícia”, diz. “Temos também mais de 1,7 mil casos de confronto forte com a polícia, 26 casos de ferimentos específicos nos olhos, pessoas que perderam um ou os dois olhos, mais de 900 detenções”, acrescenta.
“Se você pegar os dados do levante no Chile (2020), a gente já superou por muito. Se pega os Estados Unidos, nos protestos gerados pelo assassinado do George Floyd, a gente também já superou por muito”, continua a ativista. Tudo isso, diz ela, “sem pronunciamento nem da prefeitura nem do presidente Ivan Duque. Pelo contrário, eles têm dado todo respaldo aos corpos militares do país para continuar essa prática de violência”.
Eleições
Assim como no Brasil, a Colômbia tem eleições presidenciais previstas para o ano que vem. Sobre isso, Angela Mañunga-Arroyo diz que “essa política de morte faz parte da direita que não está só na Colômbia, mas está na região. A gente tem isso no Brasil, no Chile, no México, Equador. É uma estratégia do grande capital diante da população da região. Na Colômbia, está expressa no ex-presidente (Álvaro) Uribe. Ele, muito esperto, está querendo se desvincular do governo. A gente sabe que o Duque faz parte do partido e das orientações políticas do Uribe. A gente precisa ficar de olho, porque eles têm o poder do Judiciário, político, militar e econômico”, finaliza.
Fonte: Rede Brasil Atual