Em 2001 o público do festival Rock´n´Rio, que aguardava o show da banda Guns´n´Roses, reagiu mal à apresentação do músico Carlinhos Brown, que recriou um cenário folclórico para suas músicas. A despeito da boa qualidade, a apresentação sofisticada e conceitual do artista parecia fora de contexto naquela ocasião em que a massa que se mobilizara para ver o rock do Guns.
Quem era aquela plateia ávida pelo rock? Cobradores, metalúrgicos, operadores de telemarketing, vendedores, garçons, desempregados, estudantes e vigias, como Jara, o Gigante, do filme uruguaio.
No filme a timidez de Jara não combina com seu tamanho avantajado nem com o rock pesado da banda Biohazard, que ele exibe em sua camiseta. Assim, Gigante brinca com o contraste entre a imponência física de Jara, seu vigor e intensidade, com o pouco espaço e com o tédio em que ele vive e trabalha. Em sua condição de operário o gigantismo de Jara é enquadrado no pouco que cabe a sua classe. A partir deste pouco ele sustenta muitos sonhos, fantasias e aspirações, o que lhe garante charme e leveza.
Gigante de bom coração, amante do rock
Jara é jovem, é camarada, tem um bom coração. Ele gosta de rock pesado, assiste TV nas horas vagas. É atento aos detalhes. Sendo atento, descobre a faxineira Julia através das câmeras de vigilância do mercado em que trabalha. Apaixona-se e logo sua vida passa a girar em torno da rotina dessa mulher e pelo desejo de conhecê-la.
A convivência com os colegas segue tranquila, morna e engraçada até o fim, quando a situação da empresa aperta e os trabalhadores pressentem tempos difíceis. A greve que sacode o filme, já no seu fim, leva Jara a tomar novos rumos, saindo da rotina de sua vigilância.
Gigante e as Microrrelações de poder
É um filme interessante, que trata com graça e romantismo da vida cotidiana de trabalhadores. Aquele tipo de função, que prevê microrrelações de poder, se assenta em uma alienação essencial do trabalhador com seu trabalho. O contraste das imagens do mercado, frequentado por “clientes” com seus “bastidores”, onde ficam os trabalhadores, é simbólica. Enquanto as primeiras são harmoniosas, limpas e brilhantes, as segundas são escuras, precárias, descuidadas.
Ainda assim o filme indica que aqueles trabalhadores buscam levar a vida da melhor forma. Muitas vezes isto se traduz no chamado “tirar leite de pedra”. São processos e delicadezas que revelam o que de fato é gigante.
Gigante (Gigante)
Uruguai/Argentina/Alemanha/Espanha, 2009
Direção: Adrián Biniez
Elenco: Horacio Camandule, Leonor Svarcas
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical. Do livro “O mundo do Trabalho no cinema”, publicado por Centro de Memória Sindical