O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) vai terminar o mandato com R$ 93 bilhões gastos em emendas parlamentares. O levantamento foi feito pelo Brasil de Fato pela Siga Brasil, plataforma do Senado que acompanha o percurso de gastos da União. A cifra considera os montantes executados de 2019 a 2021 e o valor empenhado (previsto) no orçamento federal deste ano.
A média anual do valor gasto em emendas parlamentares praticamente triplicou nos três primeiros anos da gestão Bolsonaro. Sob Michel Temer (MDB), o primeiro presidente a governar após a obrigatoriedade das emendas individuais, a cifra média foi de R$ 11 bilhões anuais. No atual governo, o valor foi de R$ 27,2 bilhões, o que representa aumento de mais de 100%.
Considerando apenas os anos de 2020 e 2021, depois da implementação das emendas de relator, artifício conhecido como “orçamento secreto”, o valor médio foi de R$ 34,4 bilhões, o que representa aumento superior a 300% em relação aos três anos anteriores (2017, 2018 e 2019).
No orçamento de 2021, o valor das emendas de relator que já foram executadas chegou a R$ 10,4 bilhões. O valor pode aumentar, já que há verbas empenhadas que ainda podem ser executadas. O montante total pode chegar a R$ 16 bilhões. No ano anterior, foi de R$ 7 bilhões.
“Ações governamentais no varejo da política”
O cientista político Wagner Romão, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comentou o levantamento feito pelo Brasil de Fato. Segundo ele, o crescimento das despesas executadas em emendas é um dos sintomas de um governo que aposta no Estado mínimo e que delega aos parlamentares, como uma “válvula de escape”, a intermediação de interesses de grupos políticos e econômicos.
“O governo Bolsonaro se caracteriza por ser um governo de cortes orçamentários. É um governo neoliberal, não só pelo fato da existência da emenda constitucional 95 [Teto de Gastos], mas também porque Paulo Guedes e Bolsonaro, por tabela, entendem que o Estado brasileiro deve ser um estado mínimo, um estado que não dá conta daquelas reais necessidades do povo brasileiro”, afirmou.
“É provável que é o artifício das emendas parlamentares esteja funcionando como uma espécie de válvula de escape para essa situação, em que os parlamentares passam a ser intermediadores de determinados grupos sociais e demandas de grupos econômicos e políticos que acabam tendo nos parlamentares essa conexão”, declarou.
Romão aponta que a implementação das emendas de relator estabeleceu um modo de relação entre Executivo e Congresso em que os parlamentares têm que “ganhar” algo: “É preciso ter em mente que, sobretudo a partir da eleição do [presidente da Câmara] Arthur Lira [do PP de Alagoas], em 2021, e do advento do orçamento secreto, essa relação das emendas parlamentares em uma relação muito íntima com o orçamento se aprofundou”.
“O fato é que o governo Bolsonaro, sobretudo depois do seu primeiro ano de governo, depois de 2019, estabeleceu um modo de relação no qual os parlamentares têm que ganhar politicamente. As emendas parlamentares se tornaram uma grande moeda de troca, muito mais do que já eram nos governos anteriores. A gente vê pelos dados que há praticamente o triplo de despesas executadas por meio de emendas parlamentares”, diz Romão.
Segundo o cientista político, “isso mostra muito bem que não há planejamento no governo Bolsonaro”. “O Executivo acaba abrindo mão dessa tarefa. As ações governamentais cada vez mais vão para o varejo da política, onde o que importa é a sobrevivência política dos parlamentares que estão atualmente no Congresso. Isso é lamentável e precisa se alterar no próximo período”, finaliza.
Como nasceu a República das Emendas
Uma série de mudanças na Constituição Federal abriu espaço para que o orçamento federal fosse drenado por emendas parlamentares. Em março de 2015, a emenda constitucional 86 tornou as emendas individuais obrigatórias.
Quatro anos depois, em 2019, emenda constitucional 100 foi aprovada, o que tornou as emendas de bancadas estaduais também obrigatórias. No mesmo ano, a emenda 105 permitiu o uso de emendas individuais para estados e municípios sem que fossem definidos vínculos a projetos específicos.
Outro elemento foi a Lei de Diretrizes Orçamentarias de 2020, que recriou a emenda de relator — também chamada de RP9, apelidada de “orçamento secreto”. Com a norma, o congressista responsável pela relatoria do orçamento passou a ter poder para alocar recursos do orçamento. Em 2021, a LDO ampliou a transferência direta para emendas de bancada.
Emendas de relator
O governo de Jair Bolsonaro criou um orçamento paralelo bilionário em emendas, em 2020, para conseguir apoio do “Centrão” no Congresso Nacional. Uma série de reportagens publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo revelou o escândalo a partir de centenas de ofícios enviados por deputados e senadores a ministérios do Executivo federal.
Os documentos, obtidos pelo jornal ao longo de vários meses, mostram que esse esquema atropela leis orçamentárias, já que são os ministros e não os congressistas que deveriam definir onde aplicar os recursos. Além disso, os acordos e o direcionamento do dinheiro não foram públicos, assim como a distribuição não foi igualitária entre os congressistas, evidenciando um interesse eleitoral do governo.
O que são as emendas do orçamento secreto?
As emendas de relator são um dos quatro tipos de emendas existentes. São elas: a individual, a de bancada, a de comissão e a da relatoria. A diferença da de relator para as outras é que ela é definida pelo deputado federal ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano, em negociações geralmente informais com os demais colegas.
Por que é chamado de “secreto”?
Embora o dinheiro do esquema esteja no Orçamento Geral da União de 2020, a destinação das verbas é feita de forma sigilosa – a partir de acordos políticos. Ao contrário das emendas individuais, não é possível saber quem indicou o quê.
Qual o benefício disso para o governo Bolsonaro?
A medida é uma forma de beneficiar alguns congressistas com “emendas extras” para aplicarem em suas bases. Eles escolhem ações em municípios com prefeitos aliados e, assim, podem garantir a reeleição desses deputados e senadores em 2022. Dessa forma, o governo negocia apoio em votações importantes no Congresso Nacional.
O que dizem os políticos bolsonaristas?
Na versão de congressistas que apoiam o presidente, o dinheiro envolvido no esquema seria de emendas parlamentares regulares, como as que são distribuídas todos os anos. Não é verdade: embora tenha origem na Lei Orçamentária, o dinheiro do orçamento secreto foi distribuído de forma desigual entre os congressistas, conforme a vontade política do governo. Não há transparência, como ocorre com as emendas parlamentares, sobre os acordos para divisão das verbas.
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com a Casa Civil e a Secretaria de Governo da Presidência da República, com um pedido de posicionamento sobre o tema. Até o momento, não houve retorno dos órgãos. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: Brasil de Fato | Brasília (DF)