Por Dom Reginaldo Andrietta
No último dia 3 de outubro, o mundo foi agraciado com mais uma encíclica social do Papa Francisco, intitulada em italiano, Fratelli Tutti, ou seja, “Todos Irmãos”. Nessa encíclica, assim como na Laudato Si (Louvado Seja), de 2015, o Papa inspirou-se em São Francisco de Assis para propor à humanidade uma coexistência fundada na fraternidade e na amizade social, e suas implicações desafiadoras a todos os setores da sociedade, especialmente às lideranças religiosas e políticas, e a todas as pessoas de boa vontade.
“Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.” Assim se expressa o Papa, demonstrando a necessidade de toda a humanidade abraçar a causa da fraternidade universal para superar seus perpétuos conflitos culturais, econômicos e políticos, que se manifestam até mesmo na forma de “guerras fratricidas”.
Neste mundo globalizado, diz o Papa, “a política se torna cada vez mais frágil perante os poderes econômicos transnacionais”. Por isso, questiona ele: “Qual significado tem hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como instrumento de domínio, como títulos vazios de conteúdo”. Essa desfiguração de sentido da vida sociopolíticas e deve, sobretudo, à manipulação das consciências dos jovens e à imposição de culturas de cunho consumista e individualista.
Difunde-se a cultura do conflito por meio de polarizações políticas acirradas, especialmente por quem detém poderes. Desta forma, diz o Papa, “a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efêmeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro”.Essa afirmação contribui sobremaneira para o momento que vivemos no Brasil. Ela aponta como desafio construir um novo estilo de se fazer política.
Esse novo estilo de política correspondente ao “amor social” que, conforme o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, citado pelo Papa, é uma “força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos”. A “boa política”, segundo o Papa, constrói comunhão, contribui para projetos comuns, diferentemente da política na forma concorrencial que dilacera a convivência humana.
O amor social se traduz em atos de caridade que criam instituições mais sadias e estruturas mais solidárias. Estruturar a sociedade, por exemplo, “de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria” é um ato de caridade que, segundo o Papa, tem a conotação de “amor político”. A política é o mais alto grau da caridade, afinal dar de comer a um desempregado é expressão de amor, mas assegurar o direito ao trabalho a muitos, pela ação política, é expressão intensa de amor porque os emancipa e os dignifica.
Embora a caridade política englobe a todos, “o núcleo do autêntico espírito da política” é o “amor preferencial pelos últimos”. Por isso, o Papa Francisco propõe à humanidade, particularmente às lideranças religiosas e políticas, a construção da cultura do diálogo, da reconciliação e da paz, atuando juntos em favor do bem comum e a promoção dos mais pobres. Valorizemos seu convite para vivenciarmos a alegria de sermos irmãos e irmãs, filhos e filhas de um único Deus. Que nossas diferentes vozes forme um canto harmonioso!
Dom Reginaldo Andrietta, bispo Diocesano de Jales