PUBLICADO EM 24 de nov de 2023
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Filmes para não esquecer a importância de se eliminar de vez a violência de gênero

Por Marcos Aurélio Ruy

Isis Valverde como Ângela, filme de Hugo Prata que resgata história de assassinato ocorrida em 1976. Foto: reprodução redes sociais.

Para destacar o 25 de novembro – Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher –,  é importante destacar filmes recentes sobre esse tema fundamental para a humanidade; até porque a violência contra as mulheres cresce no mundo e no Brasil assustadoramente.

Como diz a juíza Valdete Souto Severo, é preciso “pensar também que tivemos um governo, do ex-presidente Jair Bolsonaro, em que a violência contra os corpos femininos ou feminilizados era cotidiana nas falas e na prática dele e de seus companheiros, digamos assim”.

Isso porque, mesmo com a épica vitória do presidente Lula e a retomada do Ministério das Mulheres, as ideias perniciosas aos direitos humanos, individuais e sociais, da extrema-direita, ainda se fazem notar e, então, as violências de gênero, raça e classe atingem uma grande parcela da sociedade, inclusive parcelas da classe trabalhadora que agem contra si mesmas na defesa de ideias introjetadas de diversas formas.

Dentro desse contexto, as artes e a cultura podem exercer papel importante para pensar em maneiras de combater a violência de todos os tipos contra as mulheres. No caso, o cinema é uma das manifestações artísticas que mais tem denunciado a violência de gênero tanto no Brasil quanto no mundo.

Foram selecionadas obras de países diferentes, na medida em que as salas de cinema são tomadas essencialmente por filmes estadunidenses, o que não é bom para ninguém.

Ângela (2023), de Hugo Prata, Brasil

O longa de Hugo Prata está em cartaz na Prime Video e conta uma parte da vida de Ângela Diniz (1944-1976), exatamente que trata do relacionamento dela com o empresário Doca Street (1934-2020), interpretado por Gabriel Braga Nunes, culminando com o assassinato de Ângela, interpretada por Isis Valverde.

A paixão foi fulminante, assim como o seu desfecho. Street não tolerou o espírito livre da socialite mineira e a matou no dia 30 de dezembro de 1976 com quatro tiros, justamente quando Ângela tinha decidido romper o relacionamento para escapar da violência doméstica.

O filme tem o mérito de trazer à tona um dos mais conhecidos casos de feminicídio do país, que envolveu uma grande batalha do movimento feminista brasileiro para que a justiça fosse feita, porque o assassino alegou ter matado “por amor” e pegou apenas dois anos de prisão.

A atuação das feministas chamou a atenção da opinião pública com o slogan “quem ama não mata”. E, em um novo julgamento, o criminoso foi condenado a quinze anos de prisão mesmo alegando “legítima defesa da honra”, tese muito usada por advogados até meados deste ano, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pôr fim a isso, assim como também foram criadas leis para punir o Feminicídio (Lei 13.104/2015) e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

 

A Noite do Fogo (2021), de Tatiana Huezo, México

Quem for assinante da Netflix pode assistir a essa obra de Tatiana Huezo que mostra a perversidade machista em uma comunidade rural dominada por traficantes onde a lei da violência impera. Por causa da falta de trabalho, grande parte dos homens migra para as grandes cidades para conseguir emprego, e as casas e famílias ficam por conta das mulheres, que se veem obrigadas a esconder suas filhas quando atingem a adolescência para não serem raptadas pelos traficantes e transformadas em escravas sexuais.

Fica transparente a ausência do Estado e de políticas públicas favoráveis a essa população vulnerável, totalmente à mercê da violência, quando há uma reação que envolve o fogo e a unidade dos moradores locais contra essa situação.

 

A Voz do Empoderamento (2022), de Sanjay Leela Bhansali, Índia

 Baseado em fatos reais, o longa retrata a trajetória de Gangubai Kothewali (Alia Bhatt), de família rica numa pequena cidade do interior da Índia, que sonha em ser atriz, mas cai no conto do namorado e foge com ele para Bombaim com a promessa de realizar o seu sonho. Acaba sozinha num bordel, vendida por seu namorado. Também na Netflix.

Ela reúne forças para enfrentar todas as adversidades vindas da prostituição e do submundo do crime e acaba se tornando uma importante ativista pelos direitos das prostitutas, conseguindo inclusive entrevista com o primeiro-ministro indiano para colocar as reivindicações pelos direitos do trabalho das mulheres que têm na venda do seu corpo o seu modo de sustento e de suas famílias.

Com uma estratégia visual voltada para o público como se estivéssemos em uma conversa, o filme põe a protagonista no centro de tudo mostrando toda a sua fúria e a promessa de que vai dar a volta por cima; o que realmente acontece.

Talvez até sem querer, A Voz do Empoderamento mostra o sofrimento das mulheres numa sociedade intrinsecamente patriarcal como a indiana, onde impera a violência de gênero e falta respeito às mulheres e aos LGBTs.

 

Barbie (2023), de  Greta Gerwig, EUA

Desde que estreou no Brasil, o filme Barbie, de Greta Gerwig, suscitou acalorados debates. Desagradou a extrema-direita – o que já é uma qualidade – e também setores da esquerda. Certamente não se poderia esperar que uma obra patrocinada pela indústria de brinquedos Mattel defendesse o feminismo emancipacionista, mas, como disse Julieta Palmeira: só de denunciar o patriarcado já basta para valer a pena assisti-lo.

A comédia provoca ao distinguir o “mundo cor de rosa”, da boneca Barbie, do mundo real, dominado pelo patriarcado e por isso cinzento em toda a opressão de gênero e de classe. Sim o blockbuster hollywoodiano não tem uma perspectiva de superação das classes sociais, mas tem a qualidade de atrair a atenção de meninas e mulheres, principalmente as meninas, para o feminismo, um tema tão candente do século 21.

Está muito claro em Barbie a distinção entre os filmes que tratam dos sonhos ou de como deveria ser a vida e os que versam sobre a realidade nua e crua, deixando claro que a vida não é cor de rosa, mas cinza, dominada pelo capitalismo e pelos homens e que isso precisa ser mudado.

 

Crimes de Família (2020), de Sebastián Schindel, Argentina

Patrocinado pela ONU Mulheres, essa obra argentina é bastante ousada ao debater com clareza, inteligência e sentimento a violência, além de mostrar a questão do trabalho doméstico e todo preconceito e violência a que essas trabalhadoras são submetidas, em geral sem nenhum direito trabalhista.

Mostra a força de uma mãe (Cecília Roth) para defender o filho problemático (Benjamin Amadeo), acusado de violência doméstica por sua ex-mulher (Sofía Gala Castiglione), e a vida da empregada (Yanina Ávila) que responde a um processo por assassinato de seu bebê ao nascer.

Sem fazer um dramalhão, a obra debate a situação da mulher e da mulher trabalhadora em meio a tudo isso. E principalmente quando a mãe descobre algo essencial sobre o seu filho e abandona a defesa dele, voltando-se para a defesa da nora.

Importante entender que o amor de uma mãe não passa pano para tudo que um filho faça. E a sororidade predomina ao se constatar as violências praticadas contra a própria companheira e contra a empregada.

Importante assistir a esse filme para entender o sofrimento das mulheres vítimas de diversos tipos de violência. A obra trata sem tabus de temas como aborto, abuso sexual, drogas, alcoolismo, abandono parental, escravidão, violência contra a mulher, racismo, preconceito e homicídio.

 

Eu Não Sou Um Homem Fácil (2018), de Eleonere Pourriat, França

 A comédia francesa, disponível na Netflix, diverte com inteligência ao colocar um machista inveterado em um mundo ao contrário: Com as mulheres no lugar dos homens com as mesmas atitudes grosseiras, preconceituosas e desrespeitosas aos outros gêneros.

Quando se vê numa situação de realismo mágico, na situação com os homens em situação de vulnerabilidade perante as mulheres, dominantes do mundo, o protagonista (Vincent Elbaz) fica aturdido e não compreende esse mundo.

O protagonista se assusta ao perder seus privilégios de macho dominador, quando fica na situação das suas “presas”, às quais ele nunca deu escolha, inclusive com os homens sendo assediados sexualmente nesse mundo diferente do que ele sempre viveu. Quando acorda no “mundo real”, ele passa a ver tudo com outros olhos.

Roteirizado e dirigido por Eleonore Pourriat, o filme traz importantes reflexões sobre as questões de gênero, a luta das feministas e dos LGBTs por direitos iguais e a importância de mais mulheres nas instâncias de decisão, seja no mundo do trabalho, seja na política, seja na vida. Filme para rir e pensar.

 

Tudo por Ela (2021), de Ryuichi Hiroki, Japão

Também na Netflix, Tudo por Ela aborda a amizade, o amor, as questões LGBTs, o machismo e a violência de gênero. Uma das protagonistas (Kiko Mizuhara) atrai o marido agressor da amiga e amada (Honami Satô) para uma armadilha e depois foge com ela em busca de numa nova vida e escapar da prisão.

Os acontecimentos durante a fuga debatem a necessidade de mais afeto e respeito nas relações humanas para acabar com todo tipo de violência de gênero. Com sentimentos conflitantes, as duas debatem temas importantes como o amor entre pessoas do mesmo sexo e a violência impingida pelo machismo que mata.

De maneira simples, Hiroki discute as mudanças da sociedade japonesa na luta incessante entre o tradicional e o que se apresenta como novidade, mesmo que seja uma novidade ainda conservadora e capitalista.

Marcos Aurélio Ruy é jornalista

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