PUBLICADO EM 03 de fev de 2021
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Europa fecha a porta à vacina da AstraZeneca para maiores de 65 anos

Comitês científicos europeus recomendam não usar o imunizante, que é a principal aposta do Governo Bolsonaro, em idosos. Motivo é a falta de provas sobre sua eficácia

A vacina de Oxford e da AstraZeneca contra a covid-19 não será usada em idosos em boa parte da Europa. Um número crescente de comitês científicos dos Estados está aderindo à recomendação de só administrar o imunizante a pessoas com menos de 65 anos, a população para a qual o produto teve sua eficácia demonstrada. França, Alemanha, Polônia, Áustria, Suécia, Itália e Países Baixos (que juntos abrigam quase dois terços da população da União Europeia) já se posicionaram contra vacinar os idosos, e a Espanha provavelmente seguirá o mesmo caminho nesta quarta, ao contrário do Reino Unido (não integrante da UE), que imuniza essa faixa etária desde que começou a vacinação, em 4 de janeiro. No Brasil, ela é a vacina na qual o Governo Bolsonaro apostou e está sendo desenvolvida em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Em sua etapa clínica, a vacina gerou uma boa reação imunológica em todos os grupos, mas os ensaios com a população maior de 65 não incluíam uma amostra suficientemente representativa para que fosse possível estabelecer seu nível de proteção contra o coronavírus. O Reino Unido se aferra às primeiras evidências para injetar o fármaco em idosos, mas os comitês científicos dos países da UE estão sendo mais conservadores, embora a Agência Europeia do Medicamento tenha autorizado seu uso para maiores de 18 anos, sem estabelecer um teto de idade. Em última instância, cada país deve decidir como proceder com cada vacina; os que se pronunciaram até agora esclarecem que pretendem usar a vacina da AstraZeneca em populações mais jovens, reservando aos idosos as da Moderna e Pfizer – as quais se mostraram eficazes para essa faixa etária.

Fontes sanitárias espanholas já sinalizaram que o país acompanhará essa decisão, provavelmente nesta quarta-feira. “É possível que na União Europeia tendamos à recomendação que está fazendo a Alemanha [o primeiro país a anunciar que reservaria essa vacina para menores de 65 anos], isso é prudente, mas para decidir isso o comitê de especialistas tem que analisar a ficha técnica da vacina”, disse Fernando Simón, principal autoridade epidemiológica da Espanha, na segunda-feira.

Uma decisão nesse sentido obrigaria a Espanha a rever o plano de vacinação, que após sua primeira fase (asilos, profissionais da saúde, pessoas dependentes), até março, prevê passar aos maiores de 80 anos. Embora não haja uma data prevista, os países europeus contam com receber as vacinas da AstraZeneca ainda neste mês – ou mesmo já no final da semana que vem, segundo o ministro francês da Saúde. A Espanha tem capacidade para vacinar mais população do que atualmente, disse Simón na segunda-feira, e se há um funil não é este, e sim o número de ampolas que chega. Não faria sentido guardar as que forem recebidas à espera de imunizar os idosos. É preciso começar com elas o quanto antes para alcançar o objetivo de vacinar 70% da população no verão.

Como explica Amós García Rojas, presidente da Sociedade Espanhola da Vacinologia, se os mais velhos afinal não forem vacinados com o medicamento da AstraZeneca, será preciso estabelecer outro grupo prioritário para elas – sejam pessoas mais jovens com doenças que as tornem vulneráveis ao coronavírus, como obesidade ou diabetes; ou profissionais essenciais. “Refiro-me a policiais, bombeiros ou talvez professores”, observa. Para Rojas, faz sentido não vacinar idosos com o medicamento anglo-sueco: “Levando-se em conta que há uma disponibilidade ampla de vacinas com diferentes benefícios, cada uma deveria ser direcionada à população na qual se tem garantia de que será mais eficaz. Isso fazemos, por exemplo, com as da gripe: há várias disponíveis, e algumas são reservadas aos maiores de 65, e outra aos menores com patologias subjacentes. Acredito que deveria ser feito o mesmo com as vacinas do SARS-CoV-2; é preciso oferecer a cada grupo a que terá maior impacto nele”.

Isto não necessariamente causará um atraso na vacinação dos maiores de 80 anos, que dependerá das vacinas da Pfizer e Moderna que chegarem a partir de março. A Saúde prevê que em fevereiro chegarão 2,3 milhões de doses; somadas às que já havia (1,76 milhões), são suficientes para cobrir a quase totalidade dos integrantes do primeiro grupo: 2,5 milhões de pessoas, das quais é preciso subtrair um percentual que não se imunizará porque não quer ou porque não pode, devido a alguma condição ou intolerância.

Esta realidade leva Pedro Gullón, da Sociedade Espanhola de Epidemiologia, a defender que essa injeção não seja reservada aos mais jovens: “Se houvesse muita escassez de vacinas para chegar aos maiores de 65 anos poderíamos pensar em vaciná-los com a da AstraZeneca. Mas parece que, apesar de haver atrasos, vão chegar as da Pfizer e Moderna nas próximas semanas ou meses, e estas estão testadas em pessoas mais velhas”. Gullón acha chamativo que o Reino Unido tenha decidido vacinar os idosos com este medicamento, apesar da pequena amostra dessa população incluída nos ensaios “Talvez eles tenham muita capacidade de produção e tivessem uma sobra grande para poder vacinar muita população. Suponho que já estarão comprovando seus efeitos numa espécie de ensaio em fase IV [na qual os medicamentos prosseguem após aprovados, com o início do seu uso real].”

A decisão é reversível. É provável que esta fase IV que Gullón menciona em breve ofereça resultados capazes de quantificar com mais precisão a efetividade da vacina da AstraZeneca entre idosos. No total da amostra da fase de provas, a eficácia dessa vacina era de 62% (com duas doses) ou 90% (com apenas uma). As autoridades sanitárias alemãs já avisaram que, se for testada em idosos, passarão a administrá-la também a essa faixa etária.

É o mesmo que argumentou na França, na terça-feira, a Alta Autoridade de Saúde (HAS, na sigla em francês), que foi a última a se pronunciar, informa Silvia Ayuso. “Faltam dados para os pacientes de mais de 65 anos, que devem chegar nas próximas semanas. Enquanto isso, recomendamos sua utilização só para os menores de 65”, declarou à imprensa Dominique Le Guludec, presidenta do organismo independente em que o Governo de Emmanuel Macron se baseia amplamente para orientar sua política contra o coronavírus desde que a pandemia estourou. Esta recomendação “será revista com os dados clínicos complementares que esperamos em breve”, acrescentou. Em entrevista ao canal TF1, Macron disse que a França “respeitará a ordem” das autoridades sanitárias. As vacinas da AstraZeneca “serão usadas primeiro para o pessoal sanitário de menos de 60 anos. Depois, será proposto por faixas etárias. Mas não a proporemos aos maiores de 65 anos”.

Fonte: El País Brasil

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