Por Amanda de Paula Augusto
P: No Brasil, a unicidade sindical é garantida pela Constituição Federal e não permite a existência de mais de um sindicato de determinada categoria na mesma base territorial. Entretanto, esse formato está sendo colocado em xeque pelo governo Bolsonaro. Considerando sua vivência, qual é a sua opinião sobre a pluralidade sindical?
Kemal: Em se tratando de conjuntura sindical, uma experiência bastante positiva se dá na Alemanha, que tem somente 8 sindicatos setoriais e uma central nacional. Entretanto, sabemos que esse formato não é a realidade na maior parte dos países, principalmente dos mediterrâneos. Num sistema plurisindical, há divergências políticas, mas é preciso buscar os pontos comuns e construir uma unidade, defendendo os mesmos direitos para os trabalhadores. Uma das missões da IndustriALL é fazer a unidade entre os sindicatos em nível mundial. Sendo assim, esperamos que, em cada país, o movimento sindical também tenha esse objetivo e essa mesma disposição, unindo a luta e a classe trabalhadora.
No Brasil, observamos que no setor químico, farmacêutico e metalúrgico, por exemplo, esse tipo de cooperação entre as entidades sindicais já existe. Essa prática é muito positiva e saudável.
Em países como a Itália, Espanha e França, há muitas centrais sindicais, entretanto, quando há uma situação que coloca os trabalhadores em risco, a união é sempre o caminho que buscam.
P: Percebemos que a sociedade está muito polarizada. Cada vez mais, os debates e opiniões são acirrados e divergentes. Neste sentido, quais seriam as bandeiras de luta capazes de unir os trabalhadores?
Kemal: O mundo passa por uma grande turbulência política. Vemos ideias fascistas crescendo e tomando conta do pensamento de vários grupos sociais na América Latina, Estados Unidos, Índia, Turquia, Polônia, Ucrânia, entre outros. Temos notado a existência de um tipo de política que é populista, mas, na realidade, a prática é completamente neoliberal.
Ou seja, a grande massa, principalmente os mais pobres, elege esse tipo de governo, mas sem qualquer contrapartida que a favoreça.
O sistema político econômico de hoje não está conseguindo responder as expectativas e as demandas dos trabalhadores. Então, quando não existe uma alternativa que o convença, o povo acaba preferindo uma alternativa de extrema direita.
Quando existe essa tendência, que está gerando uma crise profunda em todo o mundo, encontramos muita dificuldade para consolidar o poder. O método que o governo neoliberal se utiliza é dividir a população, fracionando e enfraquecendo a luta dos grupos organizados.
Como Sindicato Mundial que é a InudustriALL, temos que fazer valer valores históricos, democráticos e de direitos humanos. Para ganhar essa luta, temos que manter os princípios e instituições democráticas.
P: Como a IndustriALL, bem como outras entidades internacionais, podem ajudar no sentido de impedir o avanço dessas forças que buscam prejudicar a classe trabalhadora e enfraquecer a estrutura do movimento sindical?
Kemal: Muitos grupos políticos têm chegado ao poder de forma democrática, mas, durante sua gestão, destroem a democracia. Temos que seguir os métodos democráticos para retomar o protagonismo, lutar e resistir. Não vamos permitir abusos. O momento que vivemos exige uma mobilização mundial, resistência, com alianças e união com a sociedade, afinal, como já dizia o slogan do nosso congresso em 2016, “A luta continua”.
P: Frente à chamada revolução industrial 4.0, quais são os maiores desafios enfrentados pelas entidades sindicais? Quais têm sido as ações da IndustriALL nesta questão?
Kemal: Considerando a revolução 4.0, sabemos que existem várias mudanças ocorrendo e nossos esforços são para que haja uma transição justa. Precisamos de grupos tripartites para discutir e negociar o futuro do trabalho com respeito ao trabalhador e base democrática. Precisamos de educação, treinamentos, requalificação, organizando os trabalhadores na base. Uma transição justa, com garantia de trabalho decente.
P: Comente a importância da OIT na atualidade, considerando centenário de sua existência agora em 2019.
Kemal: Os 100 anos da OIT fazem parte da história da justiça social. Ela é a única agência intergovernamental em nível mundial, com aspectos relacionados aos trabalhadores. Sua importância se dá também por conta dos valores que sempre pregou, defendendo exatamente o que o mundo precisa: justiça social. Atualmente, precisamos de uma política econômica que seja positiva para a maioria da sociedade e não o contrário. Hoje, somente pequenos grupos são favorecidos – banqueiros, empresários. A Comissão Mundial do Futuro do Trabalho da OIT produziu um relatório que destacou questões importantes como a necessidade de renovação do Acordo Social e a Proteção Universal dos Trabalhadores (trabalho decente). Muitos países já têm adotado os resultados desse relatório, desenvolvendo ações nesse sentido.