PUBLICADO EM 02 de set de 2024
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Em Cuba a ciência é para saúde e desenvolvimento de todos

Como país socialista, Cuba defende a propriedade social dos meios de produção e o valor acumulado dos produtos. O socialismo é um pré-requisito, ele sugere, para que a ciência impulsione a economia de uma nação. Descubra como Cuba se destacou na produção de vacinas contra a COVID-19 e o reconhecimento mundial conquistado pela ciência cubana.

Ciência e desenvolvimento em Cuba.

Ciência e desenvolvimento em Cuba. Imagem criada por IA.

Cuba e a ciência do país ganharam reconhecimento mundial por produzirem vacinas muito eficazes contra a COVID-19. Esse feito se destacou entre as nações do Sul Global. A realização reflete o desenvolvimento, ao longo de décadas, de um formidável estabelecimento científico em Cuba, voltado principalmente para a saúde e para a produção de alimentos.

Os processos de planejamento e as estratégias envolvidas foram únicos, assim como as formas organizacionais resultantes. Essas características especiais estão diretamente relacionadas à versão do socialismo de Cuba.

Em um discurso de 15 de janeiro de 1960, um ano após a Revolução tomar o poder, Fidel Castro afirmou: “O futuro de Cuba será necessariamente um futuro de homens de ciência.” A paisagem mudaria dramaticamente.

A Academia Cubana de Ciências foi reativada em 1962. Em seguida, vieram o Centro Nacional de Pesquisa Científica (1965), o Centro de Pesquisa Biológica (1982), o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (1986), com suas 38 instituições científicas, o Centro de Imunoensaio (1987), o Instituto Finlay de fabricação de vacinas (1991), o Centro Nacional de Biopreparados (1992) e o Centro de Imunologia Molecular (1994).

Polo Científico

O “Polo Científico”, formado na década de 1980 em Havana Ocidental, agora inclui mais de 40 centros de pesquisa, que empregam 30.000 trabalhadores. Criada em 2012 para facilitar a comercialização, a BioCubaFarma exporta 164 produtos de sessenta e cinco centros. Opera dezenove unidades no exterior como joint ventures, ou entidades de propriedade cubana.

O Dr. Agustín Lage-Dávila, chefe de longa data do Centro de Imunologia Molecular, escreveu sobre “instituições de ciclo completo” que realizam pesquisa, desenvolvimento de produtos, comercialização e exportação, tudo sob uma única gestão. A renda das exportações financia as atividades de cada instituição e contribui para o orçamento nacional.

Os produtos exportados incluíram vacinas contra meningite B, hepatite B, Haemophilus influenza tipo B, COVID-19, câncer de pulmão (CIMAvax-EGF) e muitos outros agentes infecciosos. Outros produtos são interferons, eritropoetina, estreptoquinase, Heberprot-P (usado para tratar úlceras de pé diabético), kits de teste diagnóstico e seis modalidades de tratamento não vacinais para a COVID-19.

O livro de Lage sobre as origens, desenvolvimento e manutenção da imensa rede bio-científica daquele país, foi publicado em Cuba, em 2013, e novamente em 2016. A Monthly Review Press recentemente lançou uma versão traduzida da segunda edição do livro, intitulada “The Knowledge Economy and Socialism – Science and Society in Cuba”. Os vários capítulos representam artigos que Lage, um imunologista, bioquímico e especialista em câncer, escreveu para revistas cubanas. Um capítulo adicional consiste em respostas de Lage a perguntas provocadas pela primeira edição do livro. A clareza e a legibilidade da tradução para o inglês são um ponto positivo.

Economia do conhecimento

O livro transborda informações, opiniões, análises, referências históricas e otimismo, equilibrado com amplo reconhecimento de grandes problemas. Lage explica que, após a Revolução, Cuba imediatamente embarcou no desenvolvimento de capacidades humanas e na realização de avanços sociais. Não houve espera por financiamento disponível, como é a prática da maioria das nações.

Como resultado, estavam em vigor circunstâncias para construir o que Lage chama de economia do conhecimento. Essa economia destacaria a exportação de produtos científicos, em vez de recursos naturais e da base industrial que Cuba não possui. Lage observa que os produtos biológicos devem ser novos e inovadores para serem vendidos.

As indústrias biotecnológicas de Cuba funcionam “sem fragmentação estéril…[e] dentro de fronteiras interinstitucionais… [O] conhecimento é capturado e incorporado em ativos negociáveis.” A cooperação, segundo Lage, funciona melhor do que a competição. A eliminação de fronteiras institucionais promove a integração do conhecimento. O sistema favorece a autonomia em detrimento da tomada de decisões centralizada; apresenta uma tomada de decisões “em camadas”, “polinização cruzada” e um senso compartilhado de responsabilidade.

Caráter social da produção e o caráter privado da apropriação

O contraste com os modos capitalistas de produção biotecnológica é notável, sugere ele. Nesse contexto, o financiamento se baseia no capitalismo de risco. Os produtos e seu valor acabam em mãos privadas por meio de patentes, proteção de propriedade intelectual e barreiras regulatórias. O planejamento é de curto prazo. A criação científica está divorciada da propriedade dos resultados.

Lage retorna repetidamente à necessidade de superar uma contradição apontada por Karl Marx, a do caráter social da produção e o caráter privado da apropriação, tanto do valor do produto, quanto dos meios de produção. Ele se refere à “apropriação privada da ciência e do conhecimento acumulados” e à apropriação das pessoas na forma de fuga de cérebros.

Como país socialista, Cuba defende a propriedade social dos meios de produção e o valor acumulado dos produtos. O socialismo é um pré-requisito, ele sugere, para que a ciência impulsione a economia de uma nação.

Lage enfatiza a contribuição da cultura cubana e das noções de soberania no fortalecimento do projeto. A cultura se manifesta em valores éticos, motivação, solidariedade e inclinação para a unidade. Há um “vínculo indissolúvel entre soberania e socialismo”, através do qual “nossas tarefas diárias fazem parte de uma tarefa histórica maior.”

Ele acrescenta que “Estamos nos aproximando… da economia do conhecimento…[e] nos aproximando diariamente do ideal de Martí de ‘justiça total’, através de cada programa social que implementamos com sucesso… Assim, construímos não apenas o bem-estar espiritual e material de nosso povo, mas também a defesa da soberania nacional.”

Lage discute a economia do conhecimento como se manifesta localmente, especificamente em Yaguajay, perto de Sancti Spíritus, o município que ele representa na Assembleia Nacional de Cuba. Ele cita uma “estratégia de desenvolvimento socioeconômico municipal” que, envolvendo universidades e centros de pesquisa próximos na “gestão do conhecimento”, levou a “mudanças qualitativas” na saúde, desenvolvimento do turismo, computação, promoção habitacional e agricultura.

As “alavancas do socialismo” são úteis, em particular: investimento estatal massivo na criação de capital humano, integração entre instituições, vínculos com programas sociais, exportações conectadas a acordos internacionais de Cuba e programas de solidariedade, capacidade de inovar na gestão de instituições e “motivação política e social” dos trabalhadores.

Ele reconhece os riscos. O tempo é um deles; “construir uma economia do conhecimento… é tarefa de hoje, não de amanhã.” Países ricos usam “suas vantagens econômicas acumuladas… para ampliar essas vantagens e erguer novas barreiras de desenvolvimento em países pobres.” Ele cita danos residuais do Período Especial, velhos hábitos de “gestão centralizada de negócios”, fuga de cérebros e pressões exercidas “pelo império mais poderoso que já existiu.”

Em relação à agressão dos EUA: “Eles sabem… do potencial do socialismo. Um país que faz sua riqueza material crescer com base na educação e na riqueza espiritual de seu povo e na equidade que deriva da propriedade social dos meios de produção e da justiça distributiva seria uma evidência muito clara de que as soluções para os problemas que a humanidade enfrenta hoje não estão no caminho do capitalismo, nem na subordinação aos interesses dos países capitalistas desenvolvidos. Assim, eles devem mostrar que nosso sistema ‘não funciona’, daí o bloqueio.”

Uma nota de cautela: um relatório da Columbia Law School, em 2021, oito anos após a publicação do livro de Lage, cita estatísticas cubanas que mostram “uma queda de quase 40% nas exportações de produtos químicos e produtos relacionados, entre 2015 e 2019… [E] produtos medicinais e farmacêuticos compõem cerca de 90% das exportações totais de produtos químicos.” Parece que a renda derivada das exportações de biotecnologia está em queda.

*The Knowledge Economy and Socialism: Science and Society in Cuba*

  • Por Agustín Lage Dávila
  • Monthly Review Press, www.monthlyreview.org
  • 320 pp., $29,00
  • ISBN: 978-1-68590-042-7

W.T. Whitney Jr. é um jornalista político cujo foco está na América Latina, cuidados de saúde e antirracismo.

Artigo traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy

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