Por José Carlos Ruy
As regras eleitorais nos EUA são muito antigas e complexas, sobretudo para a eleição presidencial. Lá o princípio federativo é impositivo, os Estados são autônomos e as regras eleitorais variam de um a outro. Assim, a eleição presidencial é, na verdade, o processo de escolha do colégio eleitoral que indica, indiretamente, o presidente da República. E, por isso, pode acontecer – como ocorreu recentemente, em 2000 e 2016 – que um candidato tenha a maioria dos votos populares mas perca a eleição no colégio eleitoral.
Em 2000, o democrata Al Gore teve meio milhão de votos a mais do que George W. Bush, mas este foi eleito no colégio eleitoral, onde teve mais votos, garantidos por sua vitória na Flórida, mesmo que tenha sido por uma diferença de só 537 votos. Em 2016 Trump ganhou a presidência, apesar de Hilary Clinton ter recebido quase 3 milhões de votos populares a mais.
Como a eleição presidencial é estadual e não nacional, nela não vale a norma democrática um homem um voto, que prevalece por exemplo na eleição presidencial brasileira.
Ao depositar o voto na urna, o eleitor nos EUA indica o candidato que prefere mas, na verdade, está elegendo o colégio eleitoral formado por 538 eleitores, que votam indiretamente no presidente em nome do povo de seu Estado. Cada Estado elege um certo número desses eleitores indiretos, com base no número dos distritos eleitorais que lá existem, somados a eles outros dois eleitores indiretos adicionais que representam o Senado estadual. Washington também recebe três votos eleitorais, apesar de não ter representação eleita no Congresso.
A maioria de 270 (metade mais um: 269 mais um) dos votos no colégio eleitoral é necessária para vencer a eleição e chegar à presidência.
O processo de indicação desses eleitores varia nos Estados e partidos, mas geralmente ocorre de duas maneiras. Antes da eleição, os partidos escolhem eleitores em suas convenções nacionais, ou eles são indicados pelas direções partidárias.
Na maioria dos Estados, o voto popular não é dividido proporcionalmente, para compor o colégio eleitoral – o vencedor nas urnas leva todos os votos no colégio eleitoral daquele Estado; o candidato com o maior número de votos num Estado fica com todos os votos desse Estado tem no colégio eleitoral.
Por exemplo, em 2016, Donald Trump derrotou Hilary Clinton na Flórida por uma pequena diferença de 2,2%, mas ficou com todos os 29 votos da Flórida no colégio eleitoral.
São pequenas vitórias que, num punhado de Estados, podem significar que, apesar da liderança nacional de Hilary Clinton na votação de 2016, Donald Trump, que teve a vitória em vários Estados decisivos, acabou tendo mais votos no colégio eleitoral e venceu a eleição.
O número de eleitores no colégio eleitoral atribuído a cada Estado reflete sua população, com o mínimo de três por Estado. Isso significa que varia o valor relativo desses votos indiretos no colégio eleitora
Estados menos populosos, como Dakota do Norte e do Sul, e Estados menores da Nova Inglaterra, são assim sobre-representados, por causa desse mínimo exigido de três votos eleitorais. Ao lado disso, Estados mais populosos – Califórnia, Texas e Flórida – acabam sub-representados.
Em Wyoming, por exemplo, cada voto no colégio eleitoral representa 193.000 habitantes, enquanto na Califórnia cada voto no colégio eleitoral representa 718.000 moradores. Isto é, cada voto eleitoral na Califórnia representa três vezes mais moradores do que em Wyoming. São disparidades e distorções que se repetem em todo o país.
Nesse sistema em que o vencedor em um Estado leva tudo, a margem da vitória se torna irrelevante. Em 2016, as margens substanciais de Hillary Clinton na Califórnia e Nova York não se transformaram em votos no colégio eleitoral capazes de dar a vitória a ela, enquanto disputas acirradas em Estados como Pensilvânia e Michigan deram a Donald Trump a maioria de 270 votos necessário para vencer a eleição.
A vitória de Trump em 2016, em seis Estados – Flórida, Iowa, Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin -, garantiu a ele 99 votos eleitorais determinantes para sua eleição.
O debate sobre o melhor sistema para eleger o presidente foi intenso entre os os “pais fundadores”, na Constituição dos EUA, em 1787. Houve delegados que se opuseram a uma indicação direta pelo Congresso; outros queriam limitar a influência do povo, que viam como potencialmente desinformado e temiam o poder que um candidato populista, surgido do voto popular direto, poderia ter. O colégio eleitoral no qual os eleitores seriam os intermediários de seus Estados, foi o compromisso que encontraram.
Este sistema se baseou também na cláusula que ficou conhecida como o compromisso de três quintos entre os delegados do norte e do sul, resultante do debate sobre como a escravidão afetaria a representação dos Estados. O problema era que o número de escravos aumentava a população dos Estados escravistas, aumentando assim sua representação eleitoral, embora os escravos não tivessem direito ao voto.
O acordo a que chegaram dizia que três quintos dos indivíduos escravizados (sem direito ao voto) seriam considerados para determinar a população do Estado onde viviam. Isso dava aos Estados do sul, escravistas, um peso desproporcional no colégio eleitoral.
Quando a escravidão foi abolida, em 01/01/1863, a 13ª emenda que a aboliu removeu a cláusula de três quintos, mas os impactos de um colégio eleitoral desequilibrado com representação desigual continuaram.
Outra característica do sistema atual que o torna sujeito a resultados distorcidos é a possibilidade de manipulação do desenho (do mapa) dos distritos eleitorais. Essa prática fraudulenta lá tem o apelido de “gerrymandering” (uma fusão do nome Gerry com a expressão salamander: em 1812, Elbridge Gerry, governador do Estado de Massachusetts, desenhou um distrito eleitoral que parecia uma salamandra, para favorecer seu partido em uma eleição).
A fraude consiste em juntar, num mesmo distrito, eleitores prováveis de um mesmo partido, favorecendo a eleição de seus candidatos. Isto é, envolve o redesenho do mapa de um distrito para concentrar o apoio em favor de um partido. O resultado são mapas de distritos com formas inusitadas, prejudicando certos grupos de eleitores e favorecendo outros.
Há, atualmente, um forte debate sobre o sistema eleitoral nos EUA. Questiona-se a maneira de eleger o presidente, através do colegio eleitoral, e a manipulação ds distritos eleitorais, que frauda a democracia.E cresce o número daqueles que defendem um voto popular nacional direto para presidente. O professor Edwards III, da Universidade do Texas, diz “Só existe uma forma adequada de eleger o presidente: somar todos os votos e declarar vencedor o candidato que tiver o maior número de votos”. Simples assim!
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Texto elaborado a partir de informações de “Electoral college explained: how Biden faces an uphill battle in the US election”, das jornalistas Helena Robertson, Ashley Kirk e Frank Hulley-Jones, publicado em “The Guardian”