PUBLICADO EM 26 de jul de 2021
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Do campo à B3: o que você precisa saber sobre o título do MST na bolsa

Surpreendendo até os “Faria Limers” mais conservadores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) chegou ao mercado de capitais para fazer parte das carteiras dos investidores. O objetivo? Captar R$ 17,5 milhões por meio de uma emissão de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) para financiar a agricultura familiar.

O recurso será destinado para ampliar a capacidade de produção de sete cooperativas que produzem leite, milho, arroz, soja, açúcar mascavo e suco de uva. As cooperativas estão localizadas nos estados de Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul e estão compostas por 13 mil famílias.

Os títulos serão emitidos pela securitizadora Gaia Impacto, com o valor de R$ 100 cada e uma remuneração de 5,5% ao ano. Os investidores podem fazer a reserva dos papéis do dia 26 de julho até 13 de agosto.

A emissão estará disponível para todo tipo de investidor, do institucional a pessoa física. Para você que procura entender como este investimento vai funcionar, o InvestNews traz todos os detalhes:

Por que o MST foi ao mercado de capitais?

Esta não é a primeira vez que o MST procura recursos no mercado de capitais. O primeiro contato com os investidores ocorreu em maio de 2020, quando o movimento levantou R$ 1 milhão para a Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) no Rio Grande do Sul.

Na época, a oferta foi restrita, destinada apenas a investidores qualificados (com R$ 1 milhão ou mais investidos). Pouco mais de 5 investidores emprestaram os recursos para o MST, com um investimento mínimo de R$ 100 mil.

Um deles foi o economista Eduardo Moreira, fundador do Finapop, movimento de financiamento popular que tinha o objetivo de aproximar o investidor de projetos que precisam de captação, principalmente pequenos agricultores.

Fontes que acompanham a situação deste tipo de movimento relevaram ao InvestNews, em condição de anonimato, que o acesso a crédito para financiar a agricultura familiar pode ser muito difícil. Estes movimentos enfrentam diversas dificuldades ao bater a porta dos bancos, seja pela burocracia, os juros elevados ou o desinteresse do mercado em financiar pequenos negócios ou cooperativas que estão começando.

Quando se trata de agricultura familiar, a dificuldade aumenta. Se no Plano Safra os recursos destinados para financiar o agronegócio são R$ 251,2 bilhões, apenas 20% deste valor é destinado para a agricultura familiar, que muitas vezes nem consegue ter acesso pelas exigências elevadas, impedindo pequenos produtores de se beneficiar, explicou a fonte conhecedora do assunto.

Foi por esse motivo que, em 2020, Moreira criou o Finapop, inspirado no banco Triodos com sede na Holanda, que oferecia aos investidores a oportunidade de financiar o mundo em que acreditam.

Moreira explica que muitos investidores que aplicam seu dinheiro em bancos ou corretoras acabam optando por investimentos com foco no retorno. No entanto, nem sempre têm certeza sobre o destino do dinheiro no final das contas ou qual projeto vai financiar.

“Tem investidor vegano que pode estar financiando a JBS, ou pacifistas que podem ter ações da Taurus ou até ambientalistas investindo na Vale. Então, sem querer, eles financiam os seus adversários. A proposta do Finapop é financiar os projetos e ideias nas quais você realmente acredita”, aponta.

Foi assim que, em 2020, depois de ter conhecido os assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Moreira foi procurado pelas lideranças para orientar sobre possíveis formas de financiamento para ampliar os cultivos, e ele sugeriu montar uma operação no mercado de capitais por meio de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio).

Investir em agricultura familiar

A primeira emissão deu certo e foi o que motivou o MST a fazer uma nova, desta vez aberta ao público, para que investidores que acreditam na agricultura familiar possam ajudar a financiar a produção do movimento.

Segundo Moreira, a principal vantagem é que o investidor terá certeza de onde seu dinheiro foi parar, financiando a agricultura familiar que é responsável por 70% dos alimentos do país.

No entanto, o economista esclarece que o investidor não está aplicando seu dinheiro no MST como se fosse uma ação ou fundo, e sim financiando as cooperativas que fazem parte do movimento. “Ao comprar o CRA, a pessoa estará investindo na agricultura familiar, em máquinas, grãos, sementes, que vão contribuir para que as cooperativas do MST façam um trabalho mais organizado”, explica.

Para ele, a chegada do MST ao mercado de capitais também tem uma função educativa, trazendo conforto aos investidores e mostrando que o movimento é um grupo organizado, com produção eficiente, capaz de trazer segurança a quem opte pelo investimento.

A procura, segundo Moreira, é grande. Até o fechamento da reportagem, cerca de 7 mil pessoas entraram em contato com o Finapop aguardando novidades sobre a operação.

Como funciona a oferta do MST?

Segundo Eduardo Perez, analista da Easynvest by Nubank, a primeira questão que o investidor precisa entender é que a emissão é de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), que nada mais é que um título de renda fixa lastreado em um conjunto de dívidas do agronegócio, emitido com ajuda de uma securitizadora.

No caso do MST, a securitizadora responsável é a Gaia Impacto. O objetivo da oferta é levantar o montante de R$ 17,5 milhões. Mas a emissão está dividida em duas séries:

  • CRA Sênior: é o tipo de CRA que prevê a prioridade nos pagamentos ao investidor em caso não haja pagamento integral da dívida em algum momento. A oferta prevê a emissão de até 145 mil CRAs com valor unitário de R$ 100 cada. Esta será a modalidade mais procurada pelo investidor pessoa física.
  • CRA Subordinado: já o CRA subordinado tem menos prioridade nos pagamentos. Serão emitidos 60 CRAs subordinados, com valor unitário de R$ 50 mil.

O valor total da emissão será de R$ 17,5 milhões. Destes, R$ 14,500 milhões serão provenientes dos CRA Sênior e R$ 3 milhões do CRA Subordinado.

A remuneração de ambos os CRAs, sênior e subordinado, será com uma taxa prefixada de 5,5% ao ano, porém o pagamento dos juros será semestral e começará a partir do segundo semestre de 2022.

vencimento dos títulos é de cinco anos, em 3 de julho de 2026. Os rendimentos dos CRAs são isentos de Imposto de Renda.

Considerando as aplicações de renda fixa atuais, com a taxa Selic no patamar de 4,25% ao ano, o rendimento de uma aplicação que entrega 100% do CDI é de 4,17%, enquanto a poupança rende 2,98%. No entanto, por se tratar de uma taxa prefixada, é importante o investidor lembrar que a remuneração do CRA não muda até o vencimento, mesmo se a taxa Selic subir, como projetado pelas instituições financeiras.

Para investir no CRA do MST, quem optar pela compra da cota de R$ 100 deverá fazer a reserva na área do Finapop. O valor máximo que pode ser reservado por um único investidor é de R$ 1 milhão.

Para os interessados no CRA Subordinado, com a cota de R$ 50 mil, o período de reserva é o mesmo.

Eduardo Perez destaca que os CRAs não possuem garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) nem da securitizadora, o que significa que, em caso de dívida ou calote por parte dos financiados, o investidor pode perder seus recursos.

Contudo, os CRAs destinados aos investidores de varejo terão uma proteção de até 17% do valor da operação em casos de inadimplência, segundo o prospecto.

A data de inicio das negociações destes CRAs na bolsa de valores será no dia 9 de setembro.

Para onde vai o dinheiro da emissão do MST?

Os R$ 17,5 milhões da emissão serão destinados a sete cooperativas responsáveis pela renda de 13 mil famílias do MST.

O recurso da operação terá como principal objetivo o desenvolvimento territorial, estruturando cadeias produtivas, adquirindo matéria prima e ampliando a produção de leite, milho, arroz, soja, açúcar mascavo e suco de uva nas cooperativas.

Segundo o prospecto, as cooperativas beneficiadas são:

  • A Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Avante (COANA), uma das maiores cooperativas da Reforma Agrária do Estado de Paraná, com sede no município de Querência do Norte. A COANA é detentora da marca Campo Vivo, com produtos como arroz, macarrão, feijão, manteiga e outros derivados do leite. Ela pretende receber R$ 2,5 milhões que serão destinados principalmente na instalação elétrica de uma parbolizadora de arroz, investimentos na produção de leite, e capital de giro para a produção de arroz em casca.
  • A Cooperativa de Produção, Industrialização e Comercialização Agropecuária dos Assentados e Agricultores Familiares da Região Nordeste do Estado de São Paulo (COAPAR) que conta com 900 famílias trabalhando na agricultura familiar e possui um mix de produtos diversificados, entre estes: hortifruti, feijão carioquinha, leite pasteurizado integral, Iogurte e diversos tipos de queijos. Ela espera receber R$ 3,5 milhões da emissão do MST que destinará para investimentos na sua planta industrial e capital de giro da cooperativa.
  • A Cooperativa Agroindustrial Ceres (COOPACERES), localizada no estado de Mato Grosso do Sul, foi criada com o objetivo de produzir sementes não transgênicas. Seu principal produto é a soja. Ela espera levantar R$ 1 milhão, que será utilizado na produção de sementes, compra de insumos para correção de solo, pagamento de energia para irrigação, registro de campo e remuneração da terra.
  • A Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo Oeste (COOPEROESTE), localizada no Estado de Santa Catarina, composta por 14 assentamentos e 550 famílias. Atualmente a cooperativa tem 1485 produtores de leite. É detentora da marca Amanhecer e possui cessão de uso da marca Terra Viva. Ela espera levantar R$ 3,5 milhões que serão destinados na aquisição de uma Queijaria, e na compra de equipamentos e máquinas para melhorar as estruturas de estocagem e logística dos produtos acabados.
  • A Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP), localizada no estado de Rio Grande do Sul, que conta com 1462 famílias divididas em 21 assentamentos. A produção da cooperativa está dividida em grupos focados na produção de arroz agroecológico, hortas e frutas, leite e o coletivo das padarias. Ela espera levantar R$ 3,5 milhões que serão utilizados no fomento à produção de arroz agroecológico, a comercialização dos produtos da cooperativa e uma nova obra industrial.
  • A sexta beneficiada será a Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização Conquista (COPACON), localizada no estado de Paraná, focada na produção de milho livre de transgênicos e cereais. A cooperativa está situada em um centro comunitário com 500 famílias assentadas e é detentora da marca Campo Vivo. Ela espera captar R$ 1,5 milhão da emissão do MST para a ampliação da agroindústria, com aquisição de equipamentos de pesagem, beneficiamento e armazenamento de milho. Além de poder transformar 100% da matéria prima em alimentação para pessoas e animais.
  • Por último, entre a lista das sete cooperativas beneficiadas está a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (COPAVI), localizada no estado do Paraná. A cooperativa comercializa açúcar, iogurte, por meio da marca Copavi e cachaça e açúcar mascavo por meio da marca Camponeses. A Copavi espera levantar R$ 2 milhões na emissão, que serão destinados na finalização de uma planta agroindustrial de produção de açúcar mascavo, melado e cachaça além de complementar as atividades de bovinocultura de leite, de olho na produção de iogurte e queijo orgânico. O objetivo do uso dos recursos é aumentar escala e atingir novos mercados.

Vale a pena o investimento?

Pelo ponto de vista financeiro, o analista Eduardo Perez da Easynvest by Nubank, cita como vantagens do CRA MST a possibilidade de diversificar seus investimentos com recebimentos periódicos de juros em conta e a isenção do Imposto de Renda sobre o lucro.

No entanto, existem também pontos de atenção que precisam ser considerados pelo investidor. Segundo Perez, de todos os investimentos na renda fixa, os CRAs são os títulos prefixados que possuem maior risco.

Entre os principais riscos está a falta de liquidez no mercado secundário, que pode impedir que o investidor consiga vender as cotas com facilidade e fazer o resgate do seu dinheiro. Outra desvantagem é a ausência de cobertura do FGC, em caso de alguma das cooperativas der calote, a securitizadora não se responsabilizará pelo prejuízo.

Além disso, tem os riscos de mudanças nas taxas de juros que podem impossibilitar o investidor de reinvestir com a mesma taxa ou os juros pagos pelo CRA ser inferiores à inflação do período.

Olhando para o lado ESG (Environmental, Social and Governance), o economista Eduardo Moreira destaca o pilar de investir com propósito, além de financiar commodities e a agricultura familiar, que é a maior responsável pela alimentação dos brasileiros. Com isso, o investidor deste tipo de CRA estará ajudando na democratização do mercado financeiro.

Segundo Moreira, o sistema financeiro não deveria existir para travar o sistema produtivo, com juros abusivos e apenas meia dúzia de milionários. “Os bancos brasileiros têm as maiores taxas de juros do mundo e não cumprem o papel de estimular a produção dos pequenos empreendedores”, defende.

Para ele, o financiamento do MST chega ao mercado de capitais para dar um recado: “é possível investir em um mundo melhor”. Moreira aponta que “o mercado de capitais pode deixar de ser um sugador de riqueza e passar a ser um canal de distribuição para reduzir a desigualdade brasileira”.

A depender do sucesso da oferta, ele não descarta utilizar o Finapop para financiar outras iniciativas sociais, com os investidores de varejo como aliados.

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