PUBLICADO EM 03 de fev de 2018
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Depois da ponte, qual futuro?; por André Singer

O alento e simultâneo desalento do noticiário econômico começa a desenhar certas características da etapa em que estamos entrando. Finalmente, a recessão ficou para trás e prevê-se um crescimento de 2,5% a 3% do PIB este ano. A retomada, no entanto, se dá com nítido aumento da informalidade no mercado de trabalho, fruto da brutal recessão.

O problema é que quando a retração de 8,6% do PIB (2014-2016) tiver sido absorvida, o panorama continuará a ser regressivo no que diz respeito às relações de produção. A tendência é diminuir a proteção ao trabalho porque, digamos com todas as letras, a classe trabalhadora sofreu tremenda derrota no biênio 2015/2016. Vejamos.

A classe dominante impôs, via política econômica e votações no Congresso Nacional, pela ordem, o aumento do desemprego (2015), a terceirização das atividades-fim (2015), o teto de gastos públicos por 20 anos (2016) e a reforma trabalhista (2016). Falta ainda a reforma da Previdência, obstaculizada, até aqui, por uma conjunção entre Joesley Batista, Ministério Público, meios de comunicação e eleições de 2018.

Com o pacote, cai o custo da mão de obra. A Folha mostrou, por exemplo, que o rendimento médio de um empregado sem carteira é quase 50% menor do que aquele que tem registro. Tal mudança era necessária para alinhar o Brasil com o novo ciclo de expansão mundial, em que o neoliberalismo avançou mais algumas casas na desregulamentação. Chico de Oliveira chama essa tendência de longo ciclo anti-Polanyi, por referência ao pensador húngaro que falava no moinho satânico a triturar homens, “transformando-os em massa”.

A narrativa dos acontecimentos brasileiros fica embolada, pois quem começou a mudança regressiva foi Dilma Rousseff, ao escolher o caminho do ajuste recessivo no final de 2014, associado a cortes em benefícios, como o auxílio-desemprego. Em abril de 2015, Eduardo Cunha unificou PSDB e PMDB (hoje, MDB) para aprovar a terceirização das atividades-fim, contra os votos de pequena bancada resistente. Foram 137 contrários, o mesmo número que sufragou contra o impeachment um ano depois, liderados pelo PT.

Em janeiro de 2016, Dilma defendeu a necessidade de uma reforma da Previdência e, em março, o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, apresentou um projeto para criar um limite legal para o crescimento do gasto público. Daí para a frente, Michel Temer nos fez atravessar a ponte amarga para o futuro sombrio. Não adianta chorar sobre o leite derramado, mas também não adianta deixar de ver que ele derramou.
Fugir da realidade não ajudará a criar consciência.

André Singer, cientista político, professor e jornalista

Fonte: Folha de São Paulo

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