O Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz divulgaram nota em que criticam o decreto assinado nesta terça-feira (7) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que facilita o porte de armas para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), e também para categorias como advogados, agentes da segurança pública, caminhoneiros, políticos eleitos e até jornalistas que atuem na cobertura policial. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também lançou comunicado em que contesta o decreto de Bolsonaro.
As entidades dizem que a medida é uma forma de burlar o Estatuto do Desarmamento, vai na contramão de estudos que indicam que maior número de armas nas mãos de civis colabora para o aumento da violência e deve agravar ainda mais a crise na segurança pública.
Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que enxerga a medida com “bastante preocupação”, diz, em nota, que o decreto “carece de uma análise do Congresso Nacional, e parece ter sido feito sob medida para agradar alguns eleitores do atual presidente da República.” Eles também qualificam a medida como uma “artimanha” do governo “para desviar o foco do que realmente interessa”.
“O Governo Federal deveria trabalhar para identificar as razões que levaram à queda dos homicídios em 2018, e assim documentá-las para serem replicadas, ao invés de insistir na aposta de receitas comprovadamente equivocadas para o setor”, diz o documento dos especialistas em segurança pública.
O Instituto Sou da Paz afirma que facilitar o acesso a armas e munições é “prejudicial ao Brasil”. Em nota, também afirmam que a medida beneficia “um pequeno grupo de indivíduos em detrimento da segurança pública”. Com base em números do Exército, dizem que os CACs já possuem hoje mais de 350 mil armas de fogo, que são desviadas, “ainda que não intencionalmente” para o mercado ilegal. O aumento da quantidade de munições permitidas para esses grupos, que passou de 50 unidades para 10 mil unidades por ano, também é “um convite a desvios e agravamento da violência armada.”
“A própria justificativa usada pelos atiradores para demandar o porte municiado é que eles se tornam alvos preferenciais de roubos, reconhecendo que a arma atrai criminosos. Este é um problema negligenciado há muito tempo, conforme o relatório da CPI do Tráfico de Armas, da Câmara dos Deputados de 2006”, afirma o instituto.
A Fenaj, por sua vez, afirma em nota que o governo Bolsonaro promove o armamento da população e que a medida não contribui para conter a violência. “Ao contrário, a posse de armas de fogo pela população é determinante para mortes acidentais e contribui significativamente para o aumento da violência social.”
Segundo a entidade, a necessidade de “cuidar” de uma arma é incompatível com a cobertura jornalística, uma vez que o dever de cuidar da apuração da notícia já exige demais da atenção dos profissionais, sobretudo em situações de risco: “O porte de arma pode, inclusive, transformar o jornalista em alvo”, diz a entidade.
Leia íntegra da nota da Fenaj:
FENAJ diz não ao armamento de profissionais
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), entidade de representação nacional da categoria, que congrega os Sindicatos de Jornalistas do país, vem a público reafirmar sua posição de defesa do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 22/12/2003), aprovado após amplo debate nacional. A FENAJ considera inadequada sua alteração por decreto, sem o devido e necessário debate democrático. O Poder Executivo não pode agir autocraticamente, usurpando competência do Poder Legislativo de aprovar e alterar leis.
Ao modificar o Estatuto do Desarmamento para facilitar o transporte de armas para determinadas categorias profissionais, que não mais precisarão comprovar a necessidade de portá-las, o governo Bolsonaro promove o armamento da população que, comprovadamente, não contribui para a diminuição da violência. Ao contrário, a posse de armas de fogo pela população é determinante para mortes acidentais e contribui significativamente para o aumento da violência social.
Quanto aos jornalistas que fazem cobertura policial, a FENAJ entende que a posse/transporte de armas não vai contribuir para a segurança dos profissionais, que devem cuidar da produção da notícia, sem exposições ou enfrentamentos que coloquem em risco sua integridade física. O porte de arma pode, inclusive, transformar o jornalista em alvo.
Cabe ao aparato de segurança do Estado garantir a segurança dos jornalistas e demais profissionais da comunicação no exercício profissional, ainda que em coberturas jornalísticas nas quais os profissionais são expostos a riscos.
Igualmente, cabe às empresas jornalistas adotarem medidas para mitigar os riscos a que são submetidos os jornalistas nas coberturas policiais e em outras situações em que a segurança dos profissionais esteja em xeque.
A FENAJ tem defendido a ação, por parte das empresas jornalísticas, de um Protocolo de Segurança para a atuação profissional, que inclui a criação de comissões de segurança nas redações para avaliação de cada situação específica, bem como o fornecimento de equipamentos de proteção individual e treinamento para os jornalistas que cobrem conflitos sociais.
A responsabilidade pela segurança dos jornalistas e demais profissionais da comunicação não pode ser transferida; é do Estado em corresponsabilidade com as empresas empregadoras.
Brasília, 8 de maio de 2019.
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ.