A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, cancelou duas reuniões previstas nesta semana para tratar da chegada da Covid-19 nas unidades prisionais do país, que já registram oficialmente sete pessoas mortas – a expectativa é de escalada no número de casos e de óbitos nos próximos dias. Até esta terça-feira (28), apenas 20 dias após a confirmação do primeiro caso de coronavírus em uma prisão, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) já contabilizava outras 107 custodiados pelo Estado contaminados.
Ainda assim, a ministra cancelou as reuniões agendadas para esta segunda e terça-feira com membros da sociedade civil do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, alegando que os representantes do governo não teriam espaço na agenda. Em nota, o comitê nacional denuncia que Damares age “para obstruir os trabalhos do grupo durante a pandemia”.
Desde o início do governo Bolsonaro, o órgão, que atua na fiscalização de locais em que pessoas são mantidas em privação de liberdade, conseguiu se reunir apenas três vezes com a pasta. E, de acordo com os membros, a ministra faltou a duas das reuniões, inviabilizou uma outra e, agora, cancela os encontros desta semana.
“Aconteceram já sete mortes. Lembro que dei entrevista há mais ou menos dois meses e disse que, se medidas excepcionais não fossem tomadas, a gente teria mortes em massa, como a gente viu nas câmaras de gás do nazismo”, alerta o defensor público Mateus Moro, membro do comitê e coordenador do núcleo especializado de situação carcerária da Defensoria de São Paulo em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual. O ativista chama a atenção para as condições às quais está exposta a terceira maior população carcerária do mundo, que tem mais de 755 mil presos.
“Em situações fora da pandemia, que já são excepcionais, não tem água, sabonete, as pessoas estão em locais superlotados, às vezes em uma cela onde tem 10 camas, têm 40 pessoas. Se mesmo com as cautelas diárias as pessoas acabam se contaminando, imagina em condições totalmente desumanas e degradantes? Mas, mesmo nesse contexto de condições bárbaras dentro das unidades prisionais, os organismos que deveriam tentar prevenir e combater essas questões não só de tortura, mas de tratamento desumano e degradante, acabam fazendo o contrário”, contesta.
Governo Bolsonaro é só ataque
Na prática, o órgão lembra que os “ataques sistemáticos” do governo de Jair Bolsonaro começaram ainda em 2019. Apesar de o Brasil ser signatário da convenção contra tortura das Organizações das Nações Unidas (ONU) e de ter criado lei que deu origem ao Mecanismo de Combate à Tortura e ao colegiado de membros do Estado e da sociedade civil, o governo Bolsonaro assinou um decreto que anulava a remuneração dos peritos.
A normativa, contudo, foi suspensa na Justiça, que viu na medida uma forma de inviabilizar o trabalho do comitê. Dessa vez, a ministra ignorou a urgência do tema, alegando ainda que não havia regulamentação para a reunião ocorrer em caráter virtual. Isso depois ainda de sugerir aos peritos que inspeções e apurações de denúncias de maus tratos e tortura fossem feitas por videoconferência.
“O que nós temos é uma ministra jogando contra o comitê. Ela ignora que todos os membros desse comitê possuem suplentes que poderiam participar da reunião. E no próprio ofício , de forma absurda, ela diz que a reunião do comitê deve somente se destinar a tratar de assuntos urgentes durante a pandemia. O que é mais urgente do que discutir a situação e exigir medidas concretas do governo para conter a disseminação desse vírus no sistema penitenciário?”, cobra o advogado e também ativista Caio Cesar Klein, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), na Rádio Brasil Atual.
Klein afirma ainda que, na reunião desta semana, o comitê demandava mais transparência do Ministério da Saúde e do Depen quanto às medidas que estão sendo tomadas diante da pandemia no cárcere. “Não nos surpreende a atuação desse governo nesse tema”, ressalta o advogado, “mas o que nós temos é uma tragédia anunciada no sistema carcerário”, diz sobre um cenário em que os presos já padecem de doenças evitáveis como tuberculose.
Outras violações
Em nota, o órgão lembra ainda que diante do potencial de disseminação do coronavírus nas prisões, além dos detentos, também estão em risco os agentes prisionais, profissionais de saúde que atuam no sistema e seus familiares.
“Não existe uma lógica racional, ele dão desculpas, mandam ofício, mas tanto o regimento, quanto a legislação vigente no Brasil e os tratados internacionais estão sendo violados pelo governo”, destaca o defensor público.
Reportagem da RBA lembra ainda que a portaria conjunta 1 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ministério da Saúde, também é uma ameaça à população carcerária, ao autorizar o enterro e cremação de corpos não reclamados por familiares ou amigos mesmo sem o atestado de óbito – o que é uma exigência atual. Especialistas temem que a medida leve ao desaparecimento de cadáveres do sistema prisional.
Especialistas lembram ainda na matéria que são as distorções da legislação, como a atual lei das drogas, e crimes contra o patrimônio – e não contra a vida – que entopem o sistema e colocam em risco diversas vidas. Além dessa medida, outra violação está prevista na proposta do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que buscava isolar os presos com suspeitas de covid-19 em contêineres.
A proposta foi considerada ilegal pelo CNJ, Supremo Tribunal Federal (STF) e outras entidades, que encaminharam ainda denúncias à ONU e Organização dos Estados Americanos (OEA) a respeito do tema. “Esse é o tipo de governo que a gente tem lidado. Um governo que quer armazenar pessoas em contêineres. É até difícil encontrar adjetivos para tamanha barbaridade”, finaliza Mateus Moro.
Fonte: Rede Brasil Atual