Reportagem do UOL com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e junto à Controladoria-Geral da União (CGU) apontam que a Caixa Econômica Federal foi usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o favorecer na campanha eleitoral do ano passado, por meio da concessão de empréstimos consignados ao programa Auxílio Brasil.
A medida liberou o beneficiário do Auxílio Brasil a comprometer até 40% de sua renda mensal com os empréstimos, a serem pagos em parcelas descontadas dos auxílios seguintes. O crédito foi criado por medida provisória de Bolsonaro, aprovada no Congresso em julho. Mas os consignados só começaram a ser liberados em 10 de outubro, oito dias depois do primeiro turno, quando o então presidente obteve seis milhões de votos a menos que Lula.
Desse início até o dia 1º de novembro, a reportagem mostra que a Caixa concedeu R$ 7,595 bilhões para 2,9 milhões de beneficiários do programa. O que equivale a 99% de toda a carteira de crédito consignado de 2022. Ao todo, foram depositados R$ 6,851 bilhões do dia 10 a 30 de outubro, em pleno segundo turno eleitoral. E mais R$ 744 milhões entre 31 de outubro e 1º de novembro. Segundo o banco público, esse montante é referente a empréstimos também concedidos antes das eleições, mas pagos nos primeiros dias úteis da semana seguinte devido aos prazos de processamento dos pedidos.
Crime eleitoral
A reportagem mostra que esse total dá, em média, R$ 447 milhões depositados pela Caixa por dia útil. O O pico foi em 20 de outubro: R$ 731 milhões.
Porém, os dados mostram que, após a derrota de Bolsonaro, a oferta de consignado foi interrompida pela Caixa completamente de 2 a 13 de novembro. Só em 14 de novembro os empréstimos foram retomados, mas num volume muito abaixo do registrado no período eleitoral. Foram liberados R$ 67 milhões para 53 mil pessoas. O que equivale a 1% do total. Na média do período pós-eleições, o montante de liberação por dia útil foi de R$ 1,7 milhão.
Ao UOL, o advogado especialista em direito eleitoral e coordenador acadêmico da Academia Brasileira Eleitoral, Renato Ribeiro de Almeida observa que “os dados evidenciam o uso da máquina pública para uma finalidade claramente eleitoral”.
“Não faz nenhum sentido uma política de crédito cuja concessão se dá durante o período das eleições e depois para. É algo circunstancial, que mostra uma tentativa de fazer tudo para conseguir a reeleição (de Bolsonaro). A penalidade mais provável é que o ex-presidente seja condenado na Justiça Eleitoral à inelegibilidade por oito anos”, defendeu Almeida.
Compra de votos
A avaliação também é corroborada pela especialista em Direito do Estado e professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Laura Amando de Barros. Para ela, “a concentração dos créditos no período eleitoral, somada à negativa da Caixa em fornecer essas informações – que são públicas –, indicam que podem ter havido um uso político do consignado do Auxílio Brasil”.
O caso vem sendo analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a pedido do PT. Em dezembro de 2022, o partido pediu àquela Corte a abertura de investigação se Bolsonaro usou a máquina pública para se beneficiar na eleição. Uma das políticas citadas pelos trabalhadores é justamente o consignado do Auxílio Brasil. Ainda antes do segundo turno, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) chegaram a solicitar a suspensão do consignado.
Já à época, as instituições levantaram a suspeita de que a ação vinha sendo usada para favorecer o então presidente na disputa. O TCU acabou, no entanto, dando aval para a continuidade dos empréstimos. Mas, em dezembro, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado voltou a investigar o caso a partir de uma reportagem que revelou um corte no consignado após as eleições. Na investigação em curso são apuradas as responsabilidades tanto de Bolsonaro, quanto da então presidenta da Caixa, Daniella Marques.
Crueldade com os mais pobres
“Por que uma mudança tão brusca após a derrota do candidato Jair Bolsonaro às eleições? O que mudou no período das eleições e o período em que saiu derrotado? Os fatos falam por si. Mais uma vez: se antes eram autorizados inúmeros consignados e com extrema agilidade, porque mudou após as eleições?”, questionou o procurador na ação.
Além da suspeita de crime eleitoral, a própria modalidade de empréstimos consignados também foi contestada por especialistas. A avaliação geral era que o o crédito traria apenas um alívio momentâneo às famílias endividadas. Na prática, tomar o empréstimo seria um risco financeiro grande para essa população já em condições de pobreza e vulnerabilidade.
Instituições como o Idec mostraram, por exemplo, que a taxa de juros aplicada era bem mais alta do que a praticada atualmente para o consignado de outras categorias, como aposentados e servidores públicos.
Ainda no ano passado, o governo Bolsonaro também foi acusado de ter vazado os dados de milhões de beneficiários do Auxílio Brasil para milhares de correspondentes bancários – como são chamados agentes terceirizados contratados por instituições financeiras para prestar e vender serviços a clientes. Por sua vez, esses agentes estavam usando as informações recebidas pelo governo em uma estratégia agressiva de venda – com lucro garantido – de mais empréstimos consignados.
O novo governo, sob o comando de Lula, decidiu reduzir de 40% para 5% o teto para comprometimento com pagamento prestações do empréstimo. A Caixa, por sua vez, anunciou a suspensão por tempo indeterminado de novas concessões da modalidade. Procurado pelo Uol, o ex-presidente Bolsonaro não quis se manifestar sobre as acusações.
Fonte: Rede Brasil Atual