As muitas promessas de campanha reiteradas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP-27 – a conferência climática da ONU, no Egito – abriram espaço para organizações ligadas ao meio ambiente discutirem projetos futuros, agora a partir de uma agenda de reconstrução.
Desmatamento zero na Amazônia já que “a devastação ficará no passado”, combate “sem tréguas” a crimes ambientais como a grilagem, estímulo ao desenvolvimento sustentável, criação de mecanismos de financiamento para perdas e danos. Essas foram algumas das medidas que Lula prometeu tomar durante seu discurso na COP.
Mas diante de uma longa e desafiadora agenda ambiental, por onde o governo deveria começar? Quais as prioridades para 1º de Janeiro de 2023? A Repórter Brasil ouviu especialistas de organizações ligadas ao meio ambiente para que elas listassem as ações mais urgentes para este campo.
1. Combater desmatamento e queimadas
Diante do um cenário em que o desmatamento da Amazônia aumentou 59% no governo Bolsonaro, as organizações com as quais a reportagem conversou foram unânimes em dizer que combater a destruição do bioma precisa estar entre as prioridades da gestão Lula.
Para Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, o primeiro passo é reverter os atos publicados por Bolsonaro que resultaram no aumento do desmatamento: “O governo atual paralisou o Plano de Prevenção e Controle do desmatamento da Amazônia (PPCDAM), que entregou o resultados satisfatórios no seu auge. O plano precisa ser retomado e atualizado, olhando para o futuro, repetindo o que deu certo no passado e olhando para os problemas e desafios atuais”.
Também é preciso retomar as políticas para combater a destruição ambiental – incluindo as queimadas – em outros biomas, como o Cerrado. “Precisamos de uma agenda de restauração e recomposição ambiental. Não podemos mais pautar a conservação da sociobiodiversidade sem pautar a agenda de restauração de recomposição ambiental desses biomas”, afirma Alisson Castilho, coordenador de projetos do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), que atua na área socioambiental nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica.
2. Fortalecer fiscalização contra crimes ambientais
Retomar o comando e controle do Estado no enfrentamento ao crime ambiental é considerado crucial para Mota, do Greenpeace. Para isso, ela ressalta que será preciso rever as verbas públicas destinadas a esse propósito, já que “esses recursos foram praticamente esvaziados no governo Bolsonaro”. Mota afirma ainda que é necessário se considerar não apenas os recursos nacionais, mas também a retomada de fundos estrangeiros, como o Fundo Amazônia, suspenso em 2019 pela Noruega por conta do aumento do desmatamento e das medidas contrárias à agenda ambiental do governo Bolsonaro.
São crimes que envolvem territórios indígenas e comunidades tradicionais ameaçadas por grileiros, garimpeiros, madeireiros, grandes corporações, ruralistas e políticos. “Precisamos do fortalecimento do IBAMA e de outros órgãos de fiscalização e controle. Isso inclui novos planejamentos e recursos, assim como de agendas de inteligência para conseguir, inclusive, estabelecer possíveis relações entre crimes ambientais e o crime organizado”, afirma Alice Thualt, diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV).
3. Cadeias produtivas e o setor privado
“Se olharmos para períodos em que o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento, vemos que a redução segue até certo ponto. Isso porque a fiscalização e o controle, sozinhos, não se sustentam no longo prazo”, afirma a diretora do ICV. Ela ressalta a necessidade de se garantir que não haja desmatamento em nenhuma etapa das cadeias produtivas de commodities. “Dentro do setor da pecuária e da soja você tem diversos atores que precisam de informações para garantir que não estão investindo em cadeias manchadas pelo desmatamento. Ora, se essa informação está disponível para o investidor, o comprador e o consumidor precisam também ter acesso a essa informação.”
Na mesma linha, a coordenadora do Greenpeace defende que toda a cadeia de pecuária, um dos vetores que mais contribuem para o desmatamento na Amazônia, precisa de rastreabilidade transparente e eficiente. “Porque hoje é esse vetor de desmatamento que domina a Amazônia e participa de forma intensa nesses resultados de desmatamento crescente. Sem rastreabilidade, sem um acesso público a essas plataformas e sem transparência fica difícil enfrentar o problema.”
4. Proteger os defensores
“Fala-se muito em conservação e proteção da sociobiodiversidade, mas acreditamos que isso só é possível a partir das pessoas, dos povos e comunidades tradicionais, dos agricultores familiares, que são os principais defensores dessa biodiversidade dos biomas brasileiros”, afirma Castilho, do IEB.
Para ele, é urgente a retomada da agenda de proteção ambiental, o que reflete também em ações robustas de proteção à vida desses defensores. “Não podemos esquecer que nos últimos quatro anos, ganhou força um modelo extremamente predatório contra um modelo que pauta a conservação da biodiversidade. Esse modelo não vai deixar de existir, então a gente precisa dar garantias de proteção para esses territórios e para quem depende dele para reproduzir seus meios de vida”, completa.
5. Retomar o diálogo
Outro legado do governo Bolsonaro que vai de encontro à pauta socioambiental foi o esvaziamento de conselhos e grupos de trabalho que exerciam um papel importante de controle e participação da sociedade civil nas agendas de implementação das políticas públicas, incluindo as ambientais. “É preciso retomar essas estruturas de participação e controle social”, afirma o coordenador de projetos do IEB.
Na opinião de Mota, do Greenpeace, políticas para reverter os altos índices de desmatamento e queimadas precisam passar pela participação da sociedade. Além de retomar a transparência sobre os dados ambientais. “A retomada do diálogo sobre esses temas com movimentos sociais e a sociedade precisa ocorrer, já que ele foi absolutamente cortado durante o governo Bolsonaro”.
Outro ponto que merece um diálogo aprofundado com a sociedade é em relação à regulamentação do investimento no crédito de carbono. “Hoje há diversos contratos de carbono assinados com comunidades tradicionais, mas não há uma regulamentação da atividade.
Então, essa agenda precisa de atenção. Porque pode ser tanto uma oportunidade, se for bem trabalhada. Quanto pode causar muitos danos se não for trabalhada e se for trabalhar de forma errada”, afirma a diretora do ICV.
Fonte: Rede Brasil Atual