Extinção de empresas anunciada em São Paulo, venda de ativos importantes no País e pregação contra o funcionalismo enfraquecem a capacidade nacional de reagir à pandemia e superar a crise.
Imagine-se uma pessoa enferma que passasse a deliberadamente ter atitudes que minguassem seu sistema imunológico e consequentemente sua capacidade de se recuperar e vencer a doença. A situação certamente causaria espanto e até horror. Pois parece ser esse o comportamento de alguns gestores públicos que, em face da maior crise da história do País, insistem em abrir mão dos instrumentos que possuem para atender as necessidades da população, a pauta do desenvolvimento e a demanda por avanços científicos e tecnológicos.
O Governo do Estado de São Paulo enviou à Assembleia Legislativa, em 12 de agosto, projeto que, numa tacada só, pretende extinguir 11 empresas ligadas a serviços essenciais, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), fundações e institutos fundamentais, como o de Terras (Itesp), além de 12 fundos estaduais. Também, ao redirecionar recursos para a conta única do Tesouro, ameaça a autonomia das universidades estaduais e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), agência de fomento responsável pelo financiamento de inúmeros projetos relevantes, como o estudo que sequenciou o novo coronavírus 48 horas após o surgimento do primeiro caso no Brasil.
O desmonte, de impacto imediato com a piora dos serviços prestados por esses entes e o risco de demissão de 5,6 mil trabalhadores, inclusive engenheiros, teria o objetivo de equilibrar as contas públicas, tendo em vista previsão de déficit orçamentário em 2021. No entanto, especialistas apontam na renúncia fiscal em favor de grandes grupos econômicos a causa da eventual penúria. “Entre 2011 e 2019 foram mais de R$ 150 bilhões de recursos não arrecadados. Apenas no ano de 2019, mais de R$ 24 bilhões deixaram de ser arrecadados”, revela em texto difundido nas redes sociais o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão.
Em nível nacional, observa-se o mesmo sintoma com, por exemplo, a venda de ativos importantes por cifras que de forma alguma resolverão os problemas das contas públicas. Em 30 de julho último, a empresa Omega Energia arrematou por R$ 500 milhões o controle do Complexo Eólico Campos Neutrais, no qual a Eletrobras havia investido R$ 3,1 bilhões. A Petrobras, por sua vez, na contramão da tendência das grandes petroleiras, segue na linha do desinvestimento e vendeu em leilão, no dia 24 do mesmo mês, três plataformas na Bacia de Campos por R$ 7,5 milhões, valor que pode ser equivalente a um imóvel de luxo numa grande cidade brasileira. Elevadíssimo para o cidadão comum, mas irrisório para a mais importante empresa nacional.
Por fim, temos a campanha quase difamatória contra servidores públicos, como se fossem eles os responsáveis por todos os problemas do País. Importante lembrar que a imensa maioria não compõe a alta burocracia estatal nem desfruta de gordos salários e mordomias. Pelo contrário, tem remuneração modesta e atua nos serviços essenciais à nossa vida em sociedade, inclusive na linha de frente de combate à pandemia que hoje nos assola.
É mais que tempo de abandonar a visão privatista dogmática e passar agir com racionalidade. Vamos brecar o desmonte e tirar o melhor proveito do que possuímos como sociedade.
Murilo Pinheiro Presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp) e da Federação da categoria (FNE)