A inflação voltou a assombrar a população do país, após permanecer dentro da meta estabelecida pelo Banco Central nos últimos anos. Em 2020, os alimentos básicos começaram a pressionar o grupo alimentação e, por consequência, a taxa inflacionária total.
Apesar de o governo federal ter afirmado que a inflação era culpa do brasileiro, que estava comendo muito, por conta do auxílio emergencial de R$ 600,00, a causa da alta dos preços está do lado da oferta: alguns produtos estão sendo exportados em grande volume, impulsionados pela desvalorização do real diante do dólar, e portanto, da falta de um política pública adequada.
Além dos alimentos, outros bens administrados, como gás de botijão, álcool e gasolina, tiveram os preços reajustados no período, para acompanhar o ritmo de variação dos valores internacionais do petróleo e garantir maior lucro aos acionistas da Petrobras, ou seja, a escolha governamental de uma política de preços que privilegia os acionistas em detrimento da população brasileira.
Agora, nos últimos meses, a estiagem causada pelo fenômeno climático La Niña, além de afetar a agricultura, com quebra da safra de alguns produtos e degradação das pastagens, reduziu o volume de água nos reservatórios das hidroelétricas. Com a queda do nível dos reservatórios, as termoelétricas têm sido acionadas, o que elevou o custo de geração de energia. A bandeira vermelha patamar 2, nível máximo de cobrança ao consumidor, foi adotada. Mais um item indispensável para pesar muito no orçamento dos brasileiros.
Tanto a energia elétrica quanto o combustível fazem parte dos custos de produção e distribuição de muitos produtos, portanto, as altas nesses dois itens podem provocar aumentos ainda maiores nos preços de outros bens essenciais.
Para as famílias de baixa renda, esse encarecimento é sentido com mais força. Os produtos básicos da cesta de alimentos, de acordo com pesquisa do DIEESE, tiveram reajustes acumulados em 12 meses muito acima da inflação. Enquanto o INPC-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aumentou 8,90%, até maio de 2021, os preços da cesta apresentaram taxas superiores a esse percentual na grande maioria das 17 capitais pesquisadas pelo DIEESE. Em São Paulo, o custo da alimentação básica subiu 14,78% no período.
Em 2020, as altas fizeram com que alguns produtos tivessem os preços dobrados, como é o caso do óleo de soja e do arroz. Esse efeito foi perverso para as famílias de baixa renda, já empobrecidas pela crise sanitária que atingiu todo o país e castigou muito mais informais, negros, mulheres, trabalhadoras domésticas, ou seja, aqueles com inserção mais vulnerável no mercado de trabalho.
Em 2021, para agravar a situação, o auxílio emergencial foi reduzido para valor insuficiente para garantir o mínimo para as famílias, enquanto aumentaram as restrições de elegibilidade para o recebimento do benefício. Cresceu o número de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade, que passaram a usar lenha para cozinhar, a pular refeições para poder sobreviver. Agora, muitos enfrentam ainda dificuldades para pagar a conta de energia elétrica.
Ao governo federal, restam algumas perguntas: onde estão as políticas agrícolas que garantem preço menor aos brasileiros? Onde está o investimento para agricultura familiar, que traz alimentos de qualidade para a população e garante melhor condição de vida ao pequeno produtor? Onde está a política de segurança nacional que mantem no país os alimentos de qualidade e não manda para fora o melhor da produção nacional? Onde está a lei que estabelece que o gás é produto essencial para as famílias brasileiras e deve chegar a um preço que elas possam pagar? Onde está a vacina para todos? Onde estão as políticas que alavancarão o crescimento econômico e o desenvolvimento do Brasil?
Enquanto o governo priorizar o lucro das empresas e do agronegócio em detrimento do bem-estar social, a inflação, que tanto já assombrou esse país, vai se estabelecendo novamente como problema concreto e amplo, que empurrará muitos mais para a linha da pobreza.
Patricia Pelatieri, economista, diretora técnica adjunta do Dieese