Dentre as justificativas apresentadas para a reforma trabalhista dois argumentos se sobressaem: o elevado custo do trabalho e a burocracia trabalhista. De acordo com os empresários, o descompasso entre o crescimento da produtividade e dos salários é incompatível com o padrão de retomada da atividade econômica e do emprego. Em conformidade com esse raciocínio, o desemprego se deve à ausência de mecanismos regulatórios que possibilitem maior flexibilidade nas regras de contratação, remuneração e uso da força de trabalho.
Os dados evidenciam que o emprego cresceu em períodos de forte dinamismo econômico, fortalecendo a tese de que a retomada dos postos de trabalho só será possível se estimulada pela recuperação da atividade produtiva e não o inverso, como preconizam os defensores das reformas. Entre 2003 e 2014 foram gerados 20.887.597 postos de trabalho.
Na perspectiva dos empresários, busca-se uma regulamentação que possa ajustar rapidamente as relações de emprego às oscilações econômicas, de modo a elevar as margens de retorno e reduzir os custos do trabalho. Nesse sentido, não basta promover a dispensa em larga escala − que, aliás, nunca encontrou entraves na legislação trabalhista uma vez que somente entre 2015 e 2016 foram destruídos mais de 2,8 milhões de postos de trabalho −, mas realizá-la com o menor custo.
Da mesma maneira, os estudos enfatizam que do ponto de vista macroeconômico, as estratégias de flexibilização acentuam de forma mais rápida a destruição de postos de trabalho em períodos de crise, de modo que a retomada posterior da atividade econômica, quando ocorrer, não será suficiente para repor os empregos perdidos.
A ideia de que a produtividade só será alcançada reduzindo custos é uma lógica empresarial que deve ser compreendida e combatida. Um argumento que ganhou força entre os meios empresariais é que a crise econômica seria decorrência do encolhimento nas margens de lucro dos empresários brasileiros no último período. Os incrementos salariais, em patamar superior à produtividade das empresas, seriam os vilões da elevação dos custos.
A resposta clássica diante desse aumento salarial é a redução do emprego por meio de políticas de ajuste, de modo a forçar a queda dos salários. Dessa forma, o desemprego é utilizado como um instrumento de regulação do preço da força de trabalho no mercado. Os efeitos da crise no Brasil se fazem sentir com a elevação da taxa de desemprego e a redução dos ganhos reais de salários a partir de 2015. Mas, como indicamos anteriormente, o mecanismo de dispensa nunca foi um empecilho para os empregadores. Além disso, as contratações, mesmo em contextos de maior dinamismo econômico, vêm ocorrendo com redução de salários, ou seja, a remuneração média de um contratado pode ser entre 10% a 30% inferior em comparação com o salário do trabalhador dispensado no mesmo setor econômico. Entre 2014 e 2017, conforme dados da PNAD contínua, a desocupação aumentou de 7,2% para 13,7%.
Dados para 2016, extraídos do CAGED, comparam os salários médios dos admitidos e desligados naquele ano para um conjunto de atividades econômicas. Os resultados apontam para uma redução de 13% na remuneração média do trabalhador contratado, quando comparado aos desligados. Isso indica que ou as contratações estão ocorrendo em setores e ocupações que remuneram menos, ou os efetivos estão sendo simplesmente substituídos por trabalhadores que recebem salários menores para desempenhar as mesmas funções. A diferença pode alcançar até 35% nas atividades financeiras e 20% na indústria de transformação. As menores diferenças estão justamente naquelas ocupações em que a média salarial já está bem próxima do salário mínimo, os serviços domésticos.
Outro elemento a ser considerado é o grau de internacionalização da economia, que reduz as margens das empresas que integram uma cadeia global e que possuem uma reduzida capacidade de incidência sobre estas cadeias. Em 2015, o Brasil representava 1,3% do comércio mundial e um quinto desse comércio era realizado com a China. Desde 2011 se intensificaram, especialmente no âmbito do Plano Brasil Maior, as pressões da indústria por subsídios, isenções, desonerações e regimes especiais. Essa passou a ser a principal estratégia empresarial diante de um câmbio valorizado, que favorece as importações de máquinas e componentes e a substituição da produção nacional por importados, promovendo dessa forma a desindustrialização. Entre 2010 e 2014, a participação da indústria no valor adicionado caiu de 27,4% para 23,8%, sendo que a maior queda ocorreu na indústria de transformação, de 15,0% para 12,0%, enquanto o setor de comércio e serviços aumentou, passando de 67,8% para 71,2%. (Dados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE).
As pressões por competitividade indicam que as empresas vêm reduzindo os custos do trabalho de forma sistemática como forma de administrar outros custos, como insumos e matérias primas, além dos custos financeiros. São despesas sobre as quais as empresas integradas em cadeias globais não têm nenhuma governabilidade. Além disso, é importante destacar o quanto o sistema financeiro afeta o comportamento das empresas. A análise dos balanços de um conjunto de empresas para o ano de 2016, recentemente publicados, demonstra que as empresas compensam a queda de receita com os resultados positivos oriundos da intermediação financeira.
O comportamento do mercado de trabalho influencia diretamente a própria demanda agregada, tendo consequências sobre a pobreza, a desigualdade e a distribuição de renda. A redução dos empregos formais amplia as inseguranças e a precariedade, produzindo um forte impacto sobre o mercado de consumo, pois os trabalhadores tendem a gastar o que ganham. O estreitamento do mercado de consumo pela ausência de demanda forçará, necessariamente, um processo de reconcentração de renda em mãos do capital, comprometendo o próprio desenvolvimento e aumentando os níveis de pobreza. Além disso, com a queda brutal do consumo, setores inteiros deixam de produzir internamente e migram para outros mercados mais rentáveis. Se não há mercado para os seus produtos, não haverá novos investimentos privados. Paradoxalmente, se todas as empresas seguirem o mesmo caminho, reduzindo direitos e salários a pretexto de impulsionar o mercado competitivo, o principal resultado será a perda de mercado interno para a recessão e a redução do poder de compra da maioria da população.
Do ponto de vista microeconômico, os altos índices de rotatividade de pessoal por meio de sucessivas contratações acarretam mais custos para as empresas, que não conseguem usufruir dos benefícios produzidos pela capacitação e integração do trabalhador ao ambiente de trabalho. Por outro lado, a precariedade do emprego constitui um fator de desmotivação para os próprios trabalhadores, que serão empurrados de um emprego para outro sem criar vínculos de solidariedade e relações de pertencimento de classe. Além disso, essas formas de flexibilização produzem mudanças nas próprias condições de trabalho e salários, rompendo com formas tradicionais consolidadas de relações de trabalho e enfraquecendo as organizações sindicais. Com isso todos perdem!
Marilane Oliveira Teixeira é Economista, pesquisadora e assessora sindical