Vinte e sete anos depois do Massacre de Eldorado dos Carajás – que ocorreu em 17 de abril de 1996 – o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da igreja católica, registrou 2.018 conflitos, em 2022. Crescimento de 10,39% em relação a 2021. No ano passado, 909,4 mil pessoas se viram envolvidas com mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa.
Vânia Marques Pinto, secretária de Política Agrícola e Agrária da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), acredita que para pôr fim à violência no campo é “necessário a valorização de quem vive do trabalho na terra”, portanto “é fundamental a criação de políticas públicas de empoderamento da agricultura familiar e uma reforma agrária que contemple as trabalhadoras e trabalhadores do campo.”
O relatório da CPT abrange também conflitos por água, exploração do trabalho escravo, contaminação por agrotóxico, assassinatos, mortes e outros casos de violência que afetam a vida de quem vive do trabalho. Foram 1.572 conflitos pela terra, especificamente. Um aumento de 16,7% em relação a 2021.
A reforma agrária é vista como essencial para acabar com o conflito no campo por Vilson Luiz da Silva, vice-presidente da CTB e presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), é preciso “dar terra a quem precisa de terra, quem tem vocação para trabalhar na terra.”
Além de “dar as condições necessárias, com assistência técnica, pesquisa e infraestrutura básica para uma produção sustentável.” E para isso ocorrer, “necessitamos de energia, habitação decente e condições básicas de saúde e educação.”
Veja como foi o lançamento do relatório da CPT
Para Sérgio de Miranda, secretário de Finanças da CTB, primeiro Tesoureiro da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) e vice-presidente da CTB-RS, a reforma agrária precisa ir “muito além da desapropriação de terras”. Ele defende também o “financiamento público subsidiado para as agricultoras e os agricultores familiares e assentados da reforma agrária”, assim como “políticas públicas que fomentem o escoamento e a comercialização dos produtos.”
No governo Lula, afirma Vânia, que também é secretária de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), “vemos a retomada das políticas públicas abandonadas pelos governos anteriores”, além de “trabalharmos pela criação de políticas específicas para as mulheres, os povos originários e os quilombolas.”
Ataques à Amazônia
Segundo o relatório, a maioria absoluta dos conflitos ocorreu na Amazônia Legal (1.107), assim como o número de pessoas assassinadas (34 ante 47 no país). “O que mostra uma forte ofensiva à Amazônia nos últimos 6 anos com queimadas, desmatamento e ataques de latifundiários pela posse da terra”, aanalisa Sandra Paula Bonetti, secretária de Defesa do Meio Ambiente e Saneamento da CTB e de Meio Ambiente da Contag.
Como consta no estudo, Sandra ressalta também o crescimento vertiginoso da utilização de agrotóxicos “com prejuízo tanto para quem consome os alimentos como para quem trabalha na terra”. Segundo o relatório 6.831 famílias em conflitos por terra no Brasil sofreram impacto com o uso dos agrotóxicos, em 2022, crescimento de 86% sobre 2021, já a contaminação de trabalhadoras e trabalhadores aumentou 171,85% no mesmo período.
A melhor forma de acabar com o abuso de agrotóxicos, para Sandra, “é o cumprimento da legislação existente e reforçar a fiscalização com aplicações de multas”, também “é necessário leis mais rígidas sobre a liberação dos agrotóxicos”, segundo ela, “grande dos agrotóxicos liberados pelo governo anterior tem que ser revista e muitos agrotóxicos devem ser proibidos.”
Eliminar o trabalho escravo
O trabalho análogo à escravidão teve crescimento como aponta o relatório. Em 2022, ocorreram 207 casos com 2.218 pessoas resgatadas. Segundo o relatório da CPT, “o maior número dos últimos dez anos”.
Para Vânia, “acabar com essa exploração desumana é essencial para avançarmos ao Estado de Direito” e isso só acontece com o “fortalecimento da fiscalização e o endurecimento das leis com punições severas e a utilização dessas propriedades para a reforma agrária com a contemplação dos seres humanos escravizados, com amplo apoio do Estado.”
Vilson destaca a necessidade de empoderamento do movimento sindical porque “é a luta sindical que impede os avanços do capital sobre o trabalho e fortalece as reivindicações de quem vive do trabalho.” Também é importante “valorizar a economia das famílias produtoras com relevância do aspecto o social e ambiental.” outro “grande desafio é criar condições de segurança para o meio rural, não para proteger os latifúndios como normalmente acontece, e sim para proteger as trabalhadoras e os trabalhadores”, afirma Sérgio.
“A unidade da classe trabalhadora do campo e da cidade é essencial para o país voltar a crescer com combate às desigualdades”, explica Vânia. “Devemos trabalhar juntos para termos alimentos saudáveis na mesa de todas e todos” porque “a violência só acaba com o respeito aos direitos de todo mundo em ter trabalho decente e vida digna.”
Marcos Aurélio Ruy é jornalista