Quais são, segundo Singer, ao analisar 2 períodos históricos — o primeiro, que vai de 1945 a 1964 — e o segundo, entre 1989 e 2014 — esses “três partidos brasileiros”, que prevalecem e/ou protagonizam o debate e a cena política nacionais?
No primeiro período estão a UDN (União Democrática Nacional), fundada em abril de 1945, e tem entre seus organizadores Carlos Lacerda, era o partido dos ricos brasileiros à época, liberal e conservador. Observe que, no pós-guerra, não havia neoliberalismo, que surgiu como modelo econômico do capitalismo contemporâneo, a partir de 1989.
O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado em maio de 1945 por Getúlio Vargas, era o partido antagonista da UDN, e representava ou defendia as demandas sociais e trabalhistas da época, além de defender a “nacionalização das companhias estrangeiras e da reforma agrária”, o que o posicionava no campo da esquerda, “sem chegar a ser socialista”.
E ainda havia o PSD (Partido Social Democrático), criado ou fundado em julho de 1945, pelos interventores nomeados por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Era partido centrista, que representava o “enorme interior do País, cujas relações de dominação, ao contrário do que acontecia no ambiente urbano, ainda se configuravam como pré-modernas.”
Em torno destas 3 siglas partidárias giraram todo o debate nacional e confrontações políticas brasileiras, de 1945 a 1964. Embora houvesse outras organizações partidárias, todavia eram caudatárias. Só depois da ditadura militar, o grande hiato democrático, que durou 21 anos, que surgiu nova organização partidária no País.
Este livro de Singer, é espécie de “prova dos 9” do primeiro dele, que tematizou ou debateu o fenômeno do lulismo no Brasil — “Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador”, de 2012, que foi a tese de doutorado do autor.
Reorganização partidária
A reorganização partidária brasileira teve início na chamada Nova República (1985), que refundou a democracia, com a promulgação da Constituição de 1988, erigiu o Estado de Direito e legalizou os partidos proscritos pelo regime de exceção — PCB (Partido Comunista Brasileiro) e PCdoB (Partido Comunista do Brasil), defecção do primeiro, fundado ou reorganizado em 1962.
O quadro partidário brasileiro tem curiosidade peculiar. No Brasil se fala em “criação” de partido. Nas grandes democracias ocidentais, em particular na Europa, os partidos são organizados. O termo “criação” é estranho, porque parece ato divino ou mágico, em que alguns “iluminados” fazem surgir do nada a organização partidária.
De 1988 até então, o quadro partidário ganhou dimensão inimaginável, que vai da multiplicação exponencial à pulverização excessiva. São 29 com registro no TSE. Desses, 20 estão representados no Congresso Nacional. E, segundo o TSE, o “Brasil tem 75 partidos políticos em processo de formação”.
Contemporaneidade segue o padrão
O tempo passou, o País avançou e retrocedeu do ponto de vista político, econômico e social, o quadro partidário ganhou nova dimensão, mas mantém o padrão, com “3 partidos brasileiros” de outrora, embora com outros nomes e perfis.
O atual, o partido dos ricos, que são vários, mas o que predominou até dia desses, o PSDB, e substituiu a velha UDN, disputou a cena política e a liderança nacional com o PT, que desde 1989 esteve presente, com Lula, em todas as eleições presidenciais.
Fundado em 1988, surgiu a partir de cisão do MDB que mesclava a social-democracia e o liberalismo econômico e social.
O PSDB derreteu após as eleições de 2018, vencida por figura completamente fora dos padrões do quadro partidário brasileiro — sob o PSL (Partido Social Liberal) —, que não era nem social e tampouco liberal, fundiu-se com o DEM (Democratas), e formou o União Brasil. A burguesia urbana brasileira, então, está à procura de partido que a represente, como fez o PSDB, entre 1994 a 2002.
“2 almas”
O PT, por sua vez, é o partido que substituiu o velho PTB de Vargas, que representa as imensas porções assalariadas brasileiras dos grandes centros urbanos e defende agenda social avançada, a fim de superar, em alguma medida, os imensos problemas sociais brasileiros.
Singer, em “Os sentidos do lulismo”, desenvolve a tese que o PT era “um partido reformista forte até 2002”. Ao chegar ao poder político central, com a vitória de Lula, passou a ser “um partido reformista fraco”. Ou partido de “2 almas”.
Os 2 mandatos de Lula — 2003-2006 e 2007-2010 — formaram a síntese contraditória das “2 almas” que hoje habitam o PT. Foi o fato de ter implementado, simultaneamente, políticas que beneficiam o capital e promovem a inclusão dos mais pobres, com relativa melhora na situação dos assalariados, que permitiu a convivência dos princípios estabelecidos na fundação, no colégio Sion, em 1980, e as diretrizes do programa de governo apresentadas em 2002, na convenção do Anhembi, em São Paulo.
Partido contemporâneo do interior
O de outrora, o velho PSD, que elegeu 2 presidentes — Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek —, e 2 primeiros-ministros — Tancredo Neves e Brochado da Rocha — foi substituído pelo PMDB, hoje MDB. Também foi o partido de 3 presidentes da República que ascenderam ao cargo em função da linha sucessória — Carlos Luz, Nereu Ramos e Ranieri Mazzilli.
Centrista e fiel da balança, foi o partido com o qual Tancredo Neves alçou-se ao poder na Nova República, em 1985. Morto antes de tomar posse, foi substituído pelo vice José Sarney, que serviu à ditadura, era do PDS e migrou para o MDB. Daí em diante compôs todos os governos que se sucederam — Collor (1990-1992), Itamar (1992-1993), FHC (1994-2002), Lula (2003-2010), Dilma (2011-2016), Temer (2016-2018), Bolsonaro (2019-2022) e Lula 3 (2023).
Depois da convulsão política que causou o impedimento de Dilma Rousseff (PT), a prisão de Lula (PT) e a ascensão da extrema-direita ao poder, com Bolsonaro (PL), o MDB conseguiu manter-se como partido relevante.
Em 2020, levantamento feito pelo g1 revelou que o MDB continua com o maior número de prefeituras. O partido, porém, elegeu 260 prefeitos a menos em comparação com 2016 — caiu de 1.044 para 784. Em 2024, foi desbancado pelo PSD, de Kassab. O MDB elegeu 846, sendo 5 em capitais. O PSD elegeu 887 prefeitos, sendo 5 em capitais.
Na Câmara, ambos têm 42 cadeiras. No Senado, o MDB tem 11 assentos, e o PSD, 15.
O MDB, portanto, mantém-se como o partido do interior. “De 1985 a 2016, 10 dos 16 presidentes do Senado, Casa que representa os estados no Congresso, foram do PMDB, sempre oriundos do Norte, Nordeste ou Centro-Oeste: o antigo Brasil mais subdesenvolvido.” “Deve-se registrar que os bons resultados do PMDB no Centro-Oeste, e também no Sul, refletem o vínculo que o partido estabeleceu com o agronegócio, que é robusto nas 2 regiões. De acordo com cálculos que realizei, 68% dos pemedebistas eleitos em 2014 pertenciam à bancada ruralista da Câmara dos Deputados, contra 33% dos PSDB e apenas 9% do PT.”
“Verifica-se assim que o PMDB levou adiante as características do antigo PSD, praticando uma ‘política tradicional’, entendida como aquela na qual os partidos são veículos de controle oligárquicos, e os interesses são mediados por relações patrão-cliente. Enraizados no interior, em oligarquias regionais antigas e nos interesses rurais, PSD e PMDB estabeleceram programas pouco nítidos, permitindo alianças alternadas com as 2 agremiações polares.”
Marcos Verlaine, jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap