PUBLICADO EM 27 de abr de 2023
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O STF e a contribuição assistencial dos sindicatos

Do que realmente trata o julgamento do STF
Está em julgamento no STF recurso de Embargos de Declaração no ARE 1018459 (tema 935), que trata da cobrança de taxa assistencial pelos sindicatos profissionais a todos os trabalhadores, filiados e não filiados. Escudados no novo entendimento manifestado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, alguns Ministros da Corte também modificaram seus votos para admitirem a cobrança da referida taxa, embora sob a condição de que os não filiados possam se opor à cobrança. Este entendimento confronta com dispositivos em vigor da CLT, que condiciona referida cobrança à prévia autorização desses trabalhadores.

E uma enxurrada de opiniões tem vindo a público, geralmente com manifestações contrárias à possibilidade de cobrança e, frequentemente, confundindo a matéria com o retorno do imposto sindical, que se tornou meramente facultativo com a Lei nº 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista). Por vezes, o erro e a abordagem são tão crassos que levantam dúvidas se são meros equívocos de seus articulistas ou se estão inseridos na mesma onda da campanha de enfraquecimento dos sindicatos, aquela que ocorreu em 2017 e que induziu o STF a erro.

O processo ARE 1018459 não trata do imposto sindical, antiga modalidade de contribuição obrigatória por imposição do Estado, ainda nos anos 1930, a todos os trabalhadores e empregadores, fossem filiados ou não, quer o sindicato trabalhasse pela categoria quer não. O imposto sobreviveu às décadas seguintes e à Constituição Federal de 1988, deixando de ser obrigatório somente por força da Reforma Trabalhista de 2017.

Diferentemente, a taxa assistencial não é imposta pelo Estado. Ela é fixada nas assembleias e, ordinariamente, decorre de negociação coletiva, como um reforço de caixa pelas despesas e benefícios naturais da data-base. É modalidade muito comum em diversos países, mesmo que assuma outras nomenclaturas, como contribuição negocial, taxa de reforço etc. A OIT-Organização Internacional do Trabalho a admite e não vislumbra ofensa à liberdade sindical, salvo os casos de ilegitimidade ou abusos na sua implementação e cobrança.

Supunha-se (ou, ao menos, fora o que alardearam os defensores da Reforma Trabalhista de 2017) que a restrição das contribuições aos sindicatos apenas pelos associados (= filiados) levaria ao crescimento da taxa de filiação e ao fortalecimento dos sindicatos. Os técnicos e estudiosos do sindicalismo brasileiro alertavam que o efeito seria o contrário e que, ao final das contas, os prejudicados seriam os trabalhadores. Mesmo assim, a Reforma Trabalhista implementou uma nova sistemática no custeio sindical, sem nenhum período de transição ou adaptação. O resultado foi desastroso, conforme já demonstramos em estudo a este respeito (https://www.excolasocial.com.br/sindicatos-em-numeros-reflexoes-apos-2017/): as baixas taxas de filiação foram acometidas pelo fenômeno da desfiliação, os sindicatos enfraqueceram, alguns venderam suas sedes e definharam, as negociações coletivas caíram (especialmente em qualidade), ocorreram muitos ataques aos direitos dos trabalhadores (presas fáceis ante a ausência de sindicatos fortes que pudessem defendê-los) etc.

Além de tudo isso, o Brasil mergulhou numa onda sombria de rebaixamento dos direitos sociais e de ataques à democracia, sem que o principal ator de combate e equilíbrio social (os sindicatos) pudesse fazer algo no plano das entidades civis. E, mais uma vez, constatou-se a importância dos sindicatos para a democracia e para o equilíbrio de forças.

Merece comentário especial o fenômeno da desfiliação sindical. Como se sabe, a Constituição Federal adota o modelo do sindicato único, conjugado com a representação ampla de toda a categoria. Diferente, pois, dos modelos pluralistas, em que os sindicatos representam apenas os respectivos filiados. Portanto, no Brasil, as negociações coletivas beneficiam tanto os filiados quanto os não filiados, indistintamente. Há décadas é assim.

Por isso, todos contribuíam para a manutenção dos sindicatos, conquanto os filiados contribuíssem, ainda, com a mensalidade associativa, em virtude dos direitos inerentes à sua peculiar condição de sócios. Todavia, a Reforma Trabalhista continuou assegurando a abrangência da negociação coletiva, erga omnes, a todos, mas retirou os não filiados do dever de contribuir para a entidade que os representa. Ora, os filiados perceberam que era melhor se desfiliar, já que teriam os mesmos direitos e benefícios nas negociações coletivas, sem necessidade de nenhuma contribuição financeira. Então, passaram a se desfiliar, fragilizando ainda mais os recursos dos sindicatos.

Na verdade, não há lógica nem é razoável que trabalhadores que se beneficiam de acordos e convenções coletivas não contribuam de alguma forma para as entidades que os representam. Ao tempo do imposto sindical, obrigatório a todos, filiados ou não, a taxa assistencial ou negocial soava como instrumento que onerava os não filiados. Afinal, estes já contribuíam, compulsoriamente, pelos benefícios sindicais que recebiam. Porém, caindo a obrigatoriedade do imposto sindical em 2017, alguma contribuição há de ser feita pelos não filiados. Ou seja, toda a responsabilidade de custeio dos sindicatos recai, atualmente, sobre os sócios. Então, a rigor, a taxa em apreço deve ser voltada mais aos não filiados do que aos filiados, já que estes contribuem com as mensalidades associativas.

Os ministros do STF perceberam todos estes aspectos e, quem sabe, outros mais. E o próprio MPT, autor da ação inicial contra a entidade sindical ré na demanda, arrefeceu em seu entendimento, facilitando, destarte, o embate processual.

Consequências da permissão jurisprudencial da taxa negocial
O voto do Min. Luís Roberto Barroso, que está sendo seguido por outros ministros do STF, não traz de volta o imposto sindical, isto é, a obrigatoriedade de uma contribuição fixada pelo Estado e coercitiva a todos os trabalhadores e empregadores. Caso seja acompanhado pelos demais componentes da Corte, o voto permitirá que seja implantada a contribuição assistencial, sem nenhuma participação do Poder Público, já que sua aprovação se dará em assembleia e decorrerá de negociação coletiva. E resgatará jurisprudência anterior, segundo a qual os não filiados poderão se opor ao desconto, mesmo não abrindo mão dos benefícios da negociação.

Por seu turno, caberá aos sindicatos receber a nova jurisprudência com muita responsabilidade, a fim de evitar os abusos que foram constatados em passado recente, envolvendo fatores como o exagero no valor da contribuição, as dificuldades para a oposição ao desconto e a falta de prestação de contas.

Cabe observar, também, que a eventual permissão jurisprudencial para a implementação e cobrança da taxa negocial (para o caso, esta nomenclatura é melhor do que taxa assistencial) resolve o problema financeiro do sindicalismo apenas parcialmente. Em primeiro lugar, porque não alcança as federações, confederações nem centrais sindicais, já que as entidades com atribuição negocial primária são os sindicatos. Mas, eventualmente e em caráter suplementar, as federações e confederações poderão negociar em substituição aos sindicatos (art. 617, § 1º, CLT), caso em que poderão estabelecer contribuição negocial em seu favor. Não sendo esta a regra, porém, o sindicalismo precisará rever sua compreensão de solidariedade, a fim de promover o financiamento de todo o movimento sindical, compartilhando, pois, a citada contribuição com as entidades de grau superior, aí incluídas as centrais.

No reverso da medalha, eventual incentivo, coação ou facilidades “duvidosas” do empregador para que seus trabalhadores apresentem a carta de oposição aos sindicatos profissionais constituirá conduta antissindical, a ensejar ações coletivas dos sindicatos ou, em último caso, denúncias ao MPT-Ministério Público do Trabalho.

A taxa assistencial pouco alterará a condição dos sindicatos de servidores públicos, os quais funcionam e se sustentam por mecanismos diferentes dos sindicatos da iniciativa privada e não celebram acordos nem convenções coletivas de trabalho. Contudo, pode ser que a real observância e aplicação da Convenção 151-OIT (negociação coletiva no serviço público) contribua para a mudança deste quadro.

Por uma questão de isonomia e porque o modelo sindical é um só, a decisão do STF deverá beneficiar, também, por extensão, ante a identidade de ratio juris, as entidades patronais, nos mesmos termos fixados para a implementação e cobrança pelos sindicatos profissionais.

A decisão do STF certamente impactará na proposta de reforma sindical que as Centrais planejam apresentar ao Congresso Nacional, pois tanto poderá justificá-la e conferir parâmetros normativos quanto poderá ser interpretada como suficiente e, assim, tornar desnecessária a dita reforma neste ponto. Essa intepretação será mais política do que jurídica e, portanto, dependerá de como os interessados a usarão.

Em conclusão, mesmo que a decisão do STF não resolva o problema do custeio do sindicalismo em sua integralidade, trata-se de importante medida judicial, que reduzirá as agruras financeiras em que se encontram os sindicatos. A decisão do Supremo poderá retirar os sindicatos da UTI e colocá-los na enfermaria. Um grande passo, sem dúvida.

Enfim, hoje, a sobrevivência dos sindicatos depende, em muito, da jurisprudência da mais alta Corte do país. Mas, certamente, as entidades precisarão agir responsável e estrategicamente.

Francisco Gérson Marques de Lima – Doutor, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Subprocurador-Geral do Trabalho, membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (GRUPE)

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