“O problema dos gastos no Brasil não é ter os pobres no Orçamento. São os privilégios dos ricos, que precisam ser checados ponto a ponto, nos gastos tributários, aquilo que efetivamente ao se renunciar em forma de receita vem da mesma forma em políticas que atendam o interesse coletivo”.
O diagnóstico foi feito pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, durante entrevista à imprensa na última terça-feira (23). Denuncia uma realidade que a mídia hegemônica, controlada por meia dúzia de famílias riquíssimas, teima em ignorar, insistindo numa campanha reacionária que, em nome do equilíbrio fiscal, tem precisamente o objetivo de retirar o pobre do Orçamento da União.
Cantilena reacionária
Reiterados editoriais e comentários diuturnos dessa mídia malsã, liderada pela Rede Globo, alardeiam a necessidade de cortes drásticos nos investimentos sociais e apontam a necessidade de novos retrocessos nas regras de aposentadoria, incluindo o aumento da idade mínima para aposentadoria de mulheres (de 62 para 65 anos) e trabalhadores rurais, além da desindexação deste e de outros benefícios do reajuste do salário mínimo.
Alega-se que o déficit previdenciário está tornando as contas do INSS insustentáveis e que a correção se impõe reduzindo direitos e pagando, no futuro, aposentadorias com valores inferiores ao salário mínimo, receita indigesta que propõem também para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido aos idosos mais vulneráveis e pessoas com deficiência.
Alguns jornalistas, a soldo do capital ou das famílias burguesas proprietárias da mídia hegemônica, portam-se como experts em economia e apresentam sempre o mesmo diagnóstico enviesado apontando uma suposta gastança do governo com os mais pobres como raiz de todos os males nacionais e exigindo cortes também na saúde e na educação, serviços que os fundamentalistas neoliberais querem transformar 100% em mercadoria.
A malfadada desoneração
O que esses veículos omitem, deliberadamente, é o esvaziamento das receitas do INSS pela malfadada política de desoneração da folha de pagamentos, que teve início no governo de Dilma Rousseff. Mais tarde, a ex-presidenta fez uma autocrítica reconhecendo que este foi o principal erro que cometeu enquanto esteve à frente do Palácio do Planalto.
A política começou temporária em 2011, mas por força dos interesses e da pressão dos capitalistas está se perpetuando. Foi estendida em 2021 até dezembro de 2023. Com a aproximação do fim do benefício, os ricos empresários que dela se beneficiam entraram em campanha para conseguir sua prorrogação até 2027, obtendo apoio no Congresso Nacional, dominado por políticos de direita e extrema direita, inclusive para derrubar o veto do presidente Lula à lei que adiou mais uma vez o fim desta injustificável renúncia fiscal.
Entre os objetivos que à época foram elencados como justificativas para a política de desoneração, que deveria beneficiar as empresas que mais empregam, estava a de não só manter o nível de emprego como também fomentar o crescimento da economia e a geração de novos postos de trabalho, o que nem de longe ocorreu, conforme constata o estudo do IPEA intitulado “Os setores que mais (des)empregam no Brasil”, de autoria de Marcos Hecksher, coordenador de Produtividade, Concorrência e Tributação, da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset/Ipea).
Os setores beneficiados não são os maiores empregadores e, de 2012 a 2022, reduziram sua participação na população ocupada de 20,1% para 18,9%, entre os ocupados com contribuição previdenciária de 17,9% para 16,2% e entre os empregados com carteira assinada do setor privado de 22,4% para 19,7%. Movimento similar é observado com dados disponíveis da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
O dinheiro subtraído dos cofres do INSS através da política de desoneração foram embolsados como lucros e dividendos, exacerbando a concentração da renda e deixando ainda mais ricos os empresários, que não têm maior preocupação ou mesmo piedade para com os mais pobres e continuam exigindo cortes drásticos nos gastos sociais e clamando contra a carga tributária.
Outra promessa que ficou no papel foi de que a redução dos impostos elevaria a taxa de investimentos, alimentando o crescimento do PIB. Cabe a este respeito lembrar a autocrítica, corajosa e honesta, da ex-presidenta Dilma Rousseff:
“Eu acreditava que, se eu diminuísse impostos, eu teria um aumento de investimentos”, disse. “Eu diminuí. Eu me arrependo disso. No lugar de investir, eles aumentaram a margem de lucro.”
Onerar os mais ricos
É preciso acrescentar que a austeridade fiscal exigida pelos ricos tem um propósito que também permanece oculto nas narrativas unilaterais da mídia burguesa: garantir o pagamento dos juros da dívida pública, que podem ser considerados sem exageros como juros de agiotas e consomem em torno de 50% do Orçamento da União.
Os juros são abocanhados principalmente por um pequeno grupo de rentistas ociosas que não acrescentam um só centavo ao PIB brasileiro. As instituições financeiras seguem como principais detentoras da Dívida Pública Federal interna, com 29,3% de participação no estoque. Os fundos de pensão, com 23,3%, e os fundos de investimento, com 22,9%, aparecem em seguida na lista de detentores da dívida.
A participação de investidores estrangeiros subiu de 9,8% em fevereiro para 10,2% em março deste ano. O percentual repetiu o recorde recente observado em outubro do ano passado. Os demais grupos somam 14,4%.
Não é difícil concluir que a ministra do Planejamento está coberta de razão. Os problemas que atormentam a nação brasileira não são causados pelos pobres, mas pelos ricos e poderosos, que além da grande mídia também controlam o Congresso Nacional e têm forte influência sobre as demais instituições da República.
Soluções existem e já foram apontadas pela CTB, as demais centrais, os movimentos sociais e em geral as forças progressistas:
reduzir substancialmente as taxas de juros, reonerar a folha de pagamento das empresas, taxar as grandes fortunas, os dividendos, as remessas de lucros e realizar reformas estruturais de caráter democrático e popular.
Nosso desafio é conscientizar a classe trabalhadora e o povo com o objetivo de viabilizar uma grande mobilização nacional para alterar a correlação de forças na arena política, barrar os retrocessos e avançar no sentido das verdadeiras mudanças que a nação reclama e necessita, começando por uma reforma tributária progressiva. É imperioso onerar os mais ricos e desonerar os pobres.
Adilson Araújo é presidente da CTB, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil