Em novembro de 2017, com o Brasil ainda sob o governo Temer, foi aprovada a Reforma Trabalhista. Em meio às alterações nas relações de trabalho, que prometiam milhões de empregos, mas que de fato só precarizou, o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, aprovado pelo Congresso, promoveu o desmoronamento do movimento dos trabalhadores.
Com o “fim” do imposto, sem uma fonte de custeio fixa, os sindicatos foram arremessados à lógica do mercado. Despreparados para o mercado, em dois anos, viram suas receitas reduzirem em até 90%, tornando, evidente, inviável a manutenção da estrutura.
Em apenas dois anos, o resultado: muitos fecharam suas portas, outros ainda sobrevivem mediante a liquidação de patrimônio, outros são prédios fantasmas e outros irão sucumbir, no máximo, até junho de 2020. O cenário é de terra arrasada.
Muito além do questionamento sobre a medida abrupta, via Reforma Trabalhista, que não proporcionou um prazo às entidades se adaptarem à nova realidade, há também que se estabelecer uma autocrítica, já que o movimento dos trabalhadores teve todo o tempo do mundo para se preparar frente ao fim do imposto sindical.
Se com o custeio assegurado o cenário era de um cartão postal de uma paisagem com lindos campos nevados, verdade é que o fim do imposto fez a neve derreter e a sujeira aparecer.
Como não bastasse a falta de projeção e organização do movimento sindical para garantir a sobrevivência com o fim do custeio, o sistema também deu sua contribuição, apertando mais o pé no pescoço: criou cláusulas de barreiras como a MP 873, dificultando o repasse dos trabalhadores que optaram por seguir contribuindo de forma associativa; a alta rotatividade do mercado; e, dentre outros fatores, a desorganização dos setores produtivos, por meio do esfacelamento das relações trabalhistas em tempos de uberização do trabalho.
O movimento sindical é subproduto do Capitalismo. Em síntese, a alteração do modo de produção, na Revolução Industrial, agrupou pessoas em fábricas receber salário em troca da força de trabalho. Essas pessoas, compartilhando sofrimentos, perceberam que sozinhas não teriam forças, mas, agrupando-se em torno de uma entidade, poderiam lutar pelos seus direitos.
No Brasil, o governo estabeleceu uma legislação, criando o imposto sindical de forma compulsória e, consequentemente, o custeio das entidades. Ainda que subproduto do Capitalismo, o custeio obrigatório criou a grande contradição, pois se para o mercado é necessário produzir para gerar lucro, o movimento sindical sobrevivia com o dinheiro provindo do sistema capitalista, no entanto, não havia, teoricamente, a necessidade de vender nada além de uma séria representação na luta por direitos.
O custeio garantido em lei deu margem para muitas entidades afastarem-se da sua razão de existir, ou seja, congregar as contribuições de milhões de trabalhadores para lutar por conquistas. Com isso, muitos se afastaram das portas das fábricas, de suas bases e, gradativamente, desconectaram do chão da fábrica.
Esses fatores, enquanto havia custeio, sustentavam a estrutura; no entanto, com o fim obrigatório do imposto sindical, os sindicatos foram arremessados à lógica do mercado, em que basicamente consiste em oferecer bons produtos, atender bem seus clientes e ter resultados concretos, para que o cidadão “compre” a sua causa e contribua com a sua entidade.
Somam-se situações e desafios à luta. Com o distanciamento das bases, setores religiosos ocuparam o espaço na questão de amparo social, e o mundo mudou vertiginosamente a partir da década de 90, com a chegada da internet e, atualmente, com as redes sociais, campo onde o movimento sindical também não se preparou para dialogar com os trabalhadores.
O fim da obrigatoriedade do imposto sindical revelou despreparado do movimento. Ao longo de décadas, nunca projetaram o pior cenário, no caso, o fim do custeio, e não se programaram para encontrar fontes alternativas.
Agora, praticamente sem custeio, arremessados à logica do mercado, batem cabeça para encontrar uma solução para manter suas estruturas. A grande questão que se verticaliza é: se na época em que contavam com a gorda fonte do custeio não conseguiram fazer, neste momento de ruínas circulares, sem dinheiro para projetos, encontrarão edificar soluções para reverter essa situação?
Um novo desafio está posto à mesa, o Grupo de Trabalho, que promoverá uma nova ordem na estrutura e organização sindical, dentre elas, um possível pluralismo sindical. O movimento sindical, muito além de compreender a lógica do mercado, o que não significa perder sua essência de luta, terá que se unir para, deixar as diferenças de lado para preservar um bem maior.
Ricardo Flaitt , jornalista, assessor de imprensa do Sindicato Nacional dos Aposentados.