PUBLICADO EM 08 de out de 2020
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O mercado trabalho na pandemia e seus impactos sobre gênero e raça

O impacto sobre o trabalho atingiu, sobretudo, os mais desfavorecidos e vulneráveis. Antes da crise 53,4% das pessoas negras e 45,4% das pessoas brancas estavam inseridas em atividades informais. Seus efeitos também são diferenciados para os sexos.

A divulgação dos dados da PNADC para o 2º Trimestre de 2020 oferece informações importantes sobre os impactos da Covid19 sobre o mundo do trabalho ao mesmo tempo em evidencia características históricas e estruturais marcadas pela precária estruturação do mercado de trabalho brasileiro, características estas que se reforçam diante da instabilidade política e da estagnação econômica, assim, a formalização e a proteção social convivem lado a lado com a ilegalidade, a precariedade e a vulnerabilidade social, são milhões de pessoas que transitam entre o desemprego aberto e oculto e trabalhos com jornadas insuficientes, por conta própria ou informais. A taxa de desemprego aberto (12,2%) somadas ao desalento que correspondia às pessoas que desistiram de procurar trabalho (4,3%) já totalizava 16,0% no 1º Trimestre de 2020, se adicionarmos os subocupados se chega a mais de 20,0%.

O impacto sobre o trabalho atingiu, sobretudo, os mais desfavorecidos e vulneráveis. Antes da crise 53,4% das pessoas negras e 45,4% das pessoas brancas estavam inseridas em atividades informais. Seus efeitos também são diferenciados para os sexos. Se estabeleceu uma clivagem entre os que têm seus rendimentos assegurados e a proteção à vida e os precisam seguir trabalhando e colocando em risco a sua existência. Em contraste com as crises anteriores, o emprego das mulheres corre maior risco do que o dos homens, principalmente devido ao impacto da desaceleração no setor de serviços. Ao mesmo tempo, as mulheres representam uma grande proporção de pessoas em ocupações na linha de frente, especialmente nos setores de saúde e assistência social. Além disso, o aumento da carga de cuidados não remunerados, efeito da crise, recai sobre as mulheres.

A redução do assalariamento desde 2015 em especial o trabalho com carteira dá lugar a uma expansão da informalidade que se manifesta pelo trabalho sem registro que já alcançava 11,023 milhões de pessoas no início de 2020 e o trabalho por conta própria com mais de 24 milhões de pessoas, sendo que 16,784 milhões não contribuíam para a previdência social. Ou seja, a chegada da pandemia encontra um mercado de trabalho desestruturado com elevado nível de pessoas desempregadas, desalentadas, subocupadas e informais e, precisamente, são as mais afetadas pela crise da Covid19 e o auxílio emergencial se transformou em sua principal fonte de sobrevivência para os meses que se seguiram.

Por outro lado, a permanência da crise já havia retirado da força de trabalho em 2019, cerca de 2,0 milhões de pessoas, das quais 61% eram mulheres. Trata-se do maior número de pessoas fora da força de trabalho (67,280 milhões) desde o início da série em 2012 com a crise esse número se elevou para 77,780 milhões. A taxa de atividade chegou a 57,3% em 2013, na pandemia cai para 47,9% e, entre as mulheres, para 39,4%. No período compreendido entre o 1º e o 2º Trimestre de 2020 a população fora da força de trabalho se ampliou em 10,499 milhões de pessoas que perderam sua ocupação e não retornaram ao mercado de trabalho, das quais 58% eram mulheres. Todavia, as mulheres já representavam a ampla maioria de pessoas fora da força de trabalho, no 1ºT 2020 (64,5%) e no 2ºT de 2020 (64,0%). Dessa forma, as taxas de atividade neste momento de crise alcançaram os menores patamares das últimas décadas.

A crise gerada pela Covid19 apresenta características distintas das crises econômicas e sociais anteriores, com a paralisação das atividades econômicas e as recomendações das autoridades públicas pelo isolamento social fez com que as pessoas que tivessem seus contratos de trabalho encerrados e diante da impossibilidade de busca por emprego se identificassem como fora da força de trabalho ao invés de desempregadas. Com isso, a taxa de desemprego aberto recuou (-0,45 pp.) entre o 1º e 2º Trimestre de 2020, contudo, os dados por sexo e raça indicam comportamentos distintos: a taxa de desemprego aberta recua entre as mulheres brancas e negras (-6,5 – 7,6 pp) e amplia entre os homens brancos e negros ( 9,0 – 6,5 pp.), enquanto a Força de Trabalho Potencial que corresponde as pessoas que embora fora da força de trabalho tem potencial por ingressarem no mercado de trabalho ampliou consideravelmente para todas as pessoas; entre os homens brancos e negros (81,0 – 64,0 pp.) e para as mulheres brancas e negras (68,6 – 54,7 pp.). As mulheres são ampla maioria entre as pessoas na Força de Trabalho Potencial elas representavam 57,6% e as mulheres negras 39,0%. A pandemia, contudo, reduziu levemente essa diferença sem alterar a distribuição, no 1ºT de 2020 as mulheres equivaliam à 60% da Força de trabalho Potencial.

Da mesma forma, quando se analisa a subocupação do total de pessoas subocupadas no 1ºT de 2020 (6,409 milhões) a queda em relação ao trimestre seguinte foi de 13%, mais expressiva entre as mulheres e homens negros (16,0 – 15,0pp) na comparação com mulheres e homens brancos (8,0 – 7,0 pp). As ocupações mais afetadas entre as mulheres: trabalhos em serviços domésticos, vendedoras a domicilio, especialistas em tratamento de beleza, professoras de ensino fundamental e cabeleireiras. Já entre os homens temos: trabalhadores em atividades agrícolas, construção civil, pedreiros, condutores de taxi e automóveis e carregadores.

Desse modo, a taxa de subutilização para homens brancos e negros passou de (15,4 – 23,7pp. 1ºT para 19,1 – 29,4pp. 2ºT), para as mulheres brancas e negras de (22,5 – 34,7pp.1ºT para 26,3 – 40,5pp. 2ºT). A taxa de subutilização de uma mulher negra é 2,3 vezes superior à de um homem branco. Os resultados sugerem que a taxa de subutilização já mais elevada entre as pessoas negras se ampliou nesta crise com mais intensidade entre os homens, embora as mulheres constituam maioria entre as pessoas desempregadas, desalentadas e subocupadas.

Os dados dos últimos três anos já indicavam o crescimento dos trabalhos informais, por conta própria, empregados no setor público e privado sem registro e trabalho doméstico sem registro. Inseridos em setores menos dinâmicos, na ponta das cadeias produtivas ou em pequenos negócios em um encadeamento de atividades e ocupações que constituem formas de sobrevivência e que a crise afetou de maneira direta, são atividades que foram interrompidas e sem previsão de retomada pelo caráter da crise.

Com isso, os dados gerais demonstram a queda da participação do emprego no setor privado com registro de 39,3% para 35,6%, ampliação do emprego do setor privado sem registro de 11,3% para 12,5% e do trabalho por conta própria de 23,4% para 26,0%, entre 2014 e 2019. A incorporação da força de trabalho se deu basicamente pelo trabalho informal e precário. Os dados também demonstram que no período investigado não há uma mudança expressiva na distribuição entre homens e mulheres, brancas e negras no que concerne a posição na ocupação. As pessoas estão majoritariamente no emprego com registro, sem registro e no trabalho por conta própria. Contudo, há uma predominância das pessoas negras nos trabalhos mais precários, a exemplo do emprego doméstico sem carteira que corresponde a principal forma de ocupação de 13,3% das mulheres negras e de 7,1% das mulheres brancas, sendo que essa relação se inverte quando se trata do serviço público estatutário.

Marilane Oliveira Teixeira, economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, pesquisadora e assessora sindical

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