O sindicalismo brasileiro está desafiado a realizar mudanças capazes de reestruturar a própria capacidade de representação, organização e de promover a luta coletiva dos trabalhadores em um contexto adverso e complexo.
As mudanças na legislação trabalhista atingiram propositadamente o financiamento dos sindicatos, retiraram algumas funções de representação e de proteção sindical e autorizaram acordos que reduzem os direitos dos trabalhadores. Emparedados, os dirigentes e militantes estão construindo resistências e buscam criar iniciativas. Assim mesmo, toda a organização sindical está sob a ameaça de sucumbir, o que exige a construção de saídas urgentemente. Uma certeza: não há solução fácil.
O ataque ao sindicalismo cresce no mundo desde a década de 1980, consolida-se com a expansão neoliberal e se agrava com as crises das esquerdas. No Brasil, a investida é retomada como parte de grandes mudanças patrimoniais e tecnológicas no sistema produtivo, de reorientação do papel do Estado, de desnacionalização da estrutura econômica e dos recursos naturais, tudo levando ao enfraquecimento da soberania nacional. O Brasil é outro e a atuação sindical acontecerá nesse contexto de inúmeras adversidades.
As transformações da 4o revolução tecnológica alteraram as bases de todo o sistema produtivo, agora submetido à lógica e comando do sistema financeiro. Ousadas mudanças patrimoniais das empresas (aquisição e fusões) engendram rupturas para geras novas bases de acumulação capitalista em escala global. Estados nacionais são submetidos ao poder de empresas multinacionais, que reúnem uma força que, até aqui, era desconhecida. A revolução tecnológica aumenta a produtividade e elimina empregos. A máxima flexibilidade nas relações laborais submete ainda mais o trabalho ao interesse do capital. A meritocracia esconde a servidão dos trabalhadores mobilizados como recurso humano e encobre a ganância como desejo e direito “saudável” de o indivíduo enriquecer. O consumo se apresenta como forma desejada de felicidade e o individualismo é a expressão que se opõe ao bem coletivo. Estado mínimo no direito social e orientado para a assistência social, mas forte o bastante para promover a concorrência e favorecer a competição capitalista. Essas transformações estruturais da base econômica e cultural, entre outras, engendram um novo mundo e novas sociabilidades. Muitos analistas compartilham a avaliação de que não se trata de uma época de mudança, mas, sim, uma mudança de época.
Os trabalhadores e seus sindicatos foram, nesses quase 200 anos, protagonistas de múltiplas modernidades, seja por meio de lutas revolucionárias, seja construindo, com suas batalhas, os fundamentos da democracia, do Estado, do direito social e econômico, da igualdade e da justiça. Muito daquilo que são hoje direitos, bens coletivos e serviços públicos universais estavam nas bandeiras das lutas travadas pelos trabalhadores.
Como sempre e mais uma vez, os trabalhadores estão desafiados à criatividade social e política para se constituírem em sujeito coletivo capaz de atuar eficiente e eficazmente nas trincheiras dessa novíssima situação histórica. A reestruturação sindical deve ser uma atitude radical que responda, ao mesmo tempo, aos desafios dessa transformação na estrutura e organização dos sindicatos e às rupturas que acontecem no sistema produtivo, criando surpresas nas intervenções nas relações de trabalho e gerando novo protagonismo dos trabalhadores no mundo laboral e na sustentação da democracia.
Em síntese, a reestruturação sindical deve criar uma organização dos trabalhadores que consiga atuar estrategicamente sobre as mudanças, de forma: (a) a agregar os ativos patrimoniais, políticos, organizativos e culturais em uma nova sociabilidade sindical, articulando novo, robusto e moderno sindicato que se coloque como ativo geral dos trabalhadores a serviço da classe e no propósito do movimento e da luta; (b) colocar-se na perspectiva do fortalecimento de uma vida institucional que sustente a democracia e radicalize a eficácia transformadora que ela possui.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Dieese