A triste sina de um país que teve o poder político tomado de assalto teve mais um capítulo burlesco na noite desta quarta-feira: a maioria da Câmara cedeu aos assédios inconfessáveis do governo e livrou Michel Temer das investigações por formação de quadrilha e obstrução de justiça.
A sobrevida àquele que ocupa a cadeira presidencial custou muito ao Brasil e ao nosso povo mais sofrido. A destruição das contas públicas, prejudicadas pelas incertezas e pela irresponsabilidade sem limites nas barganhas por votos são amostras do precipício que Temer emborcou o país.
Doze, vinte, trinta bilhões em emendas para parlamentares, abatimentos de dívidas, perdões fiscais… os números variam, o objetivo não: valeu tudo para salvar a própria pele e daqueles que o cercam.
Mas o pior pode estar por vir. Temer manteve apoio para se salvar porque dirige um governo antinacional, antissocial e antipopular.
Pretende entregar o que resta das riquezas do Brasil – Amazônia, Eletrobrás, Petrobrás, forçar os estados a vender empresas de água e saneamento -, na bacia das almas, para as potências estrangeiras. Liquidou direitos trabalhistas e planeja acabar com a Previdência. Chegou ao impensável ao “revogar a Lei Áurea”, flexibilizando as leis e dificultando o combate ao trabalho escravo.
Mas se a sede de sangue não tem fim, ao menos a resistência cívica se amplia. Temer teve de “negociar” presenças até de alguns de seus contrários para instalar a sessão, dada a tenaz obstrução que os parlamentares de oposição realizamos.
Aliás, fato relevante foi a ação coesa e madura, sem estrelismos, dos oposicionistas dos vários partidos. Que sigamos unidos, buscando conformar uma ampla frente contra o desmonte do país e em defesa da democracia e dos direitos ameaçados.
Mesmo com o inacreditável flagra de líder governista conferindo planilha de emendas e painel eletrônico, em plenário, constrangendo o exercício da liberdade parlamentar; mesmo exonerando ministros e secretários de estados para que assumissem vagas na Câmara e lhe garantissem votos, o placar fala por si: Temer 251 X Brasil 233, descontadas as ausências.
O governo perdeu doze votos ante a primeira denúncia e a oposição conquistou outros. Apenas com os 251, a base aliada não conseguirá sequer dar quorum para votar projetos simples. Isso significa que mentem quando falam em aprovar a Reforma da Previdência (são necessários 308 votos), porque hoje não têm condições nem de aprovar leis ordinárias, menos ainda reformas constitucionais.
Outro fato negativo para o Planalto foi a ampliação da divisão do PSDB, agora pendendo majoritariamente contra Temer. Demonstra o enfraquecimento da aliança forjada por Aécio Neves e o esfacelamento dos tucanos em disputas fratricidas. O rearranjo da base governista tende a estressar ainda mais as relações partidárias e causar insatisfações, com repercussões nos próximos meses.
Na tarde de ontem, Michel Temer, que arrasta correntes no palácio, foi internado com obstrução urinária. Nada mais irônico para quem está obstruindo os destinos de um país e de todo um povo.
Orlando Silva é deputado federal (PCdoB-SP)