Ontem, 30/7, na tão aguardada entrevista com o presidenciável Jair Bolsonaro, no programa Roda Viva da TV Cultura, o militar defendeu justamente o contrário do que qualquer pessoa com um mínimo de discernimento defenderia.
Tão aguardada porque depois de ele ter sinalizado que não participaria de debates e entrevistas durante as eleições, seus detratores, da esquerda, principalmente, alimentaram as redes sociais ligando o presidenciável à pecha de ignorante e covarde.
A surpresa, afinal, não foram suas ideias (essas já eram esperadas), mas sim sua capacidade de enfrentar o debate e se sair bem. Ele é bom comunicador, é simples (simplório, eu diria), não sofre de nenhuma empolação ou afetação típica da elite intelectual, é espontâneo e, sobretudo, tem convicção sobre o que fala, por mais estapafúrdias que sejam suas posições.
Ainda no calor de uma reportagem sobre a reabertura do caso sobre o assassinato do jornalista (da TV Cultura) Vladimir Herzog nos porões do Doi CODI, os entrevistadores do Roda Viva, insistiram em questões sobre ditadura militar e tortura. Ele respondeu acusando os grupos de guerrilha de esquerda de também terem assassinado militares. Foi perguntado se, se eleito, abriria os documentos sobre a ditadura sob custódia dos militares e sambou na cara do entrevistador dizendo que “desconhece” e que “não existem esses documentos”, que seriam, segundo ele, “provas de crimes” (por isso não foi conveniente guardá-los). Sobre isso ele ainda deu uma resposta que, ao que parece, é o que seus eleitores realmente pensam: “vamos esquecer isso, a questão é daqui para frente”.
Bolsonaro não só representa a volta da famigerada ditadura militar, como ele consegue ser pior que ela. Como foi colocado no programa, durante a ditadura os militares construíram empresas nacionais e tinham um projeto politico nacionalista. O candidato do Partido Social Liberal, por sua vez, afirma em alto e bom som que não quer saber de empresas estatais e que seu projeto é o mais liberal possível.
Se ele fosse um candidato nanico, falando para um pequeno grupo de fanáticos, não seria problema. Mas, desde que começaram a aparecer pesquisas com intenções de votos, seu nome aparece muito bem colocado no segundo lugar, logo atrás do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Não me venham falar que essas pesquisas são manipuladas. Manipuladas por quem? A quem interessa manter Lula reinando sobre 30% do eleitorado, com um “maluco” Jair Bolsonaro com quase 20%?
Por isso Bolsonaro é um problema. Não vamos derrota-lo com um discurso sobre a tortura na ditadura militar. Nem tampouco vamos derrota-lo através de questões morais em uma sociedade que condena um comercial de TV apenas porque o comercial apresenta uma linda família de pessoas negras. Infelizmente o Bolsonaro tem muitos apoiadores e gera muita identificação.
Você, eu, nós que não o apoiamos por razões óbvias, que compreendemos claramente suas incoerências, sua total falta de conhecimento, de humanidade e de sensibilidade social, não conseguimos acreditar que uma pessoa assim despreparada possa vir a ser presidente do Brasil. Mas vejam, até o último segundo todo o mundo parecia ter certeza da derrota de Donald Trump nas eleições estadunidenses.
Esperávamos que ontem, dia 30, no Roda Viva, ele saísse humilhado, gaguejando, sem respostas, perdendo o controle. Não foi o que aconteceu.
Há muita coisa em jogo. Coloque nesse balaio: liberdade de imprensa, liberdade de expressão, emprego, saúde, educação, justiça social. Subestimar a capacidade de um candidato forte e popular pode ser tão estúpido quanto levantar suspeitas sobre o passado do ativista Nelson Mandela.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical