Ia escrever capitalização. Mas, traído por algum sentido, acabei digitando capitulação. Então, fica aí. E é certo, pois o regime de capitalização da Previdência significa, na prática, a capitulação do Estado ao mercado.
Significa mais. Significa que o Estado abrirá mão de seu dever constitucional para abandonar gerações e jogar seu futuro nas mãos de fundos de pensão, que, efetivamente, são rentistas e especuladores.
Muitos países já reverteram o sistema da Previdência. Aqui perto há dois exemplos opostos. A Bolívia, que cresce continuadamente, atribui parte desse crescimento ao aporte de recursos no mercado interno via Previdência pública. O exemplo negativo é o Chile, onde o regime privatista lesa gravemente jubilados e a economia local.
Quando, no início da ditadura, se eliminou a estabilidade no emprego, por meio do FGTS, o regime garantiu os recursos dos trabalhadores. O modelo proposto por Guedes, e endossado por Bolsonaro, nada garante aos futuros jubilados. O mais grave é que transfere imensas somas a fundos privados, sem garantia de que estes pagarão os proventos.
No Chile, informa Leonardo Severo, jornalista que viajou ao país e escreveu série de matérias sobre a capitalização, as pessoas recebem entre 25 e 30% do que a propaganda privatista de Pinochet lhes prometia. O suicídio de idosos disparou, a miséria cresceu e muitos têm de trabalhar acima dos 70 anos. Um casal entrevistado, ambulantes idosos, pega às 7 da manhã e para às 19 horas, “de lunes até sábado”.
Setores sindicais se iludem em pegar carona no regime de capitalização, vendo, nisso, uma forma de custear as Centrais Sindicais. Eu digo: fechem todas as Centrais se o custo de existirem for vender a dignidade de um único brasileiro, velho ou jovem.
Ninguém, afora os incautos, desconhece o poder do capital financeiro, sua capacidade de fazer amigos ou de influenciar pessoas e governos. Mas, alto lá: tudo tem limite. Ceder à privatização significa aceitar o desmanche da ordem social, conforme reza a Constituição, segundo a qual a Seguridade é pilar dessa ordem.
Quando a ordem sai de cena, em seu lugar entra a desordem. Quando um povo se desorganiza, um bando toma seu lugar. O Estado, forte e ativo, é a grande construção da civilização moderna. Seu desmonte libera a barbárie, a exclusão, o atraso e a humilhação coletiva.
João Franzin é jornalista e diretor da Agência de Comunicação Sindical