Certa feita foi-nos perguntado que tempos eram aqueles em que o óbvio precisava ser dito. Idiossincrasia ou não, o fato é que a explosão comunicacional potencialmente revolucionária, quando mal compreendidas e incorretamente administradas pelas forças sejam hegemônicas ou contra-hegemônicas pode desenhar caminhos involucionários, retrógrados, contraciclícos.
Um episódio irrelevante e fútil da ordinariedade cotidiana ganha ares de debate social, com tribunais, claques e juízos. Me parece que a incrível propagação de algo insignificante se conecta e se relaciona com o prazer induzido em dar ênfase e atenção a uma tendência comportamentalista de valoração política.
Aliás, a ascensão das vertentes políticas e ideológicas que preconizam e sacramentam o factual, o efêmero, o casuístico e o individual, dialoga muito com essa contemporânea realidade. Um segundo “aliás” – com ares corretivos – indica inclusive que o fator ideológico se traveste de imaginários e mentalidades, mais fluídos e menos fronteiriços em suas demarcações e resultam num império de relativizações, ecletismos e cacofonias mil.
“‘Ora, veja!’, diria Seo Manoel”, costuma gracejar um camarada meu. O episódio do avião é curiosa e intrigantemente – mais um – momento onde podemos extrair alguns elementos que estão na base do esgarçamento daquilo que por décadas firmou princípios, entendimentos e práticas societárias. Para além de “la mala educacion” da criança, da importunação de uma mãe, do oportunismo de uma caçadora de likes de extrema-direita ou da impassividade de uma jovem até então desconhecida, o púlpito digital-eletrônico quase circuitou.
“Valha-me Deus!”, diziam os mais antigos. O grau de alcance e engajamento desse fortuito incidente mostra inequivocadamente o tamanho do problema em que estamos metidos. Violência policial, pacote fiscal, escala 6×1, massacre do povo palestino, indiciamento dos golpistas terroristo-fascistas, não são páreo ao triunfo do ego esmagado a ponto de esquecer os sentidos da coletividade e da sociabilidade.Esse emsimesmamento enquanto fenômeno, processo e conjuntura é sim um risco gravíssimo, muito maior do que a falta de empatia acusada no vídeo aerotransportado à fama fugaz.
Alex Saratt é 1° vice-presidente do Cpers, Diretor Adjunto da CNTE e Secretário de Comunicação da CTB RS