“Uma greve incomoda muita gente! 1.566 greves incomodam, incomodam, incomodam… muito mais!”
Mas é um incômodo saudável, pois trata-se de uma ação decorrente da união e do movimento de trabalhadores que visam enfrentar problemas ou buscar o que consideram justo e direito. É a forma como os trabalhadores se defendem dos ataques dos empregadores, quando estes não cumprem direitos pactuados ou estabelecidos em lei ou tentam retirá-los ou reduzi-los. Há também o incômodo, ainda mais salutar, provocado pela greve que busca avançar no padrão de direitos instituídos, repartir melhor os ganhos produzidos pelo trabalho ou alcançar melhora nas regras das relações laborais.
A greve expõe um problema ou uma expectativa não atendida, coloca em disputa a viabilidade da demanda, revela os interesses envolvidos e indica alternativas e possibilidades distributivas para a riqueza produzida. Mostra que os trabalhadores estão conscientes sobre as normas que regem as relações de trabalho e as práticas que garantem ou rompem a efetividade distributiva da produção econômica. A greve é uma recusa a trabalhar que declara o interesse e a intenção de recolocar as relações de trabalho e os acordos compromissados em outro patamar ou garantir que eles sejam mais efetivos. A greve incomoda, mas mostra uma sociedade viva e que luta.
Em 2017, 81% das greves acompanhadas por levantamento do DIEESE tiveram caráter defensivo. Isso significa que os trabalhadores cruzaram os braços como forma de reagir ao não pagamento dos salários, ao não cumprimento de direitos ou para dizer não à tentativa patronal de retirar benefícios da convenção ou do acordo coletivo. Em período recessivo, com altas taxas de desemprego de longa duração, o medo da demissão e o entendimento, por parte dos trabalhadores, das adversidades, acabam diminuindo o ímpeto para movimentos que visem ampliar direitos e conquistas. As greves propositivas tiveram queda relativa nesse período, como mostra o estudo.
As paralisações no setor privado tendem a ser mais curtas. Segundo a pesquisa, ¾ das greves duraram até cinco dias e 54% do total de todas as mobilizações registradas tiveram duração de até 1 dia. No setor público, as greves são mais longas, inclusive porque muitas acontecem para pressionar o governante a abrir negociação. Sem permissão legal para a negociação coletiva, os servidores públicos fazem greves para ter direitos básicos definidos, inclusive o de negociar. Lutam também para ter os salários pagos em dia e contra a retirada de direitos.
Mais de 87% das greves são resolvidas na mesa de negociação direta entre trabalhadores e empregadores. O conflito que se explicita na greve exige um campo de solução e instrumento político que construa saídas para o impasse. A pesquisa revela que as negociações são o campo para o entendimento e os sindicatos, o instrumento político para construir soluções.
As greves mostram a vitalidade dos trabalhadores para a luta, a disputa distributiva, a busca da justiça social. As greves indicam uma sociedade atenta ao seu destino. A solução das greves na mesa de negociação mostra a relevância dos sindicatos no papel de representação institucional dos trabalhadores para a construção permanente de soluções provisórias – um acordo com validade no tempo. Até que um novo incômodo coloque os agentes econômicos focados em achar outra solução provisória. E assim segue a vida, com incômodos, mas com liberdade para criar soluções para os problemas e desafios.
Os dados do DIEESE estão no Estudo & Pesquisa 87, “Balanço das greves de 2017”, disponível em www.dieese.org.br.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor-técnico do Dieese