A atual ideia de frente ampla nasceu do mesmo contexto da cobrança de autocrítica da esquerda. São duas ideias ao mesmo tempo valiosas e dúbias. Valiosas porque só a partir delas o campo progressista pode avançar. Dúbias porque podem induzir ao erro uma vez que são altamente manipuláveis pelos agentes do “mudar para manter”. Por isso é necessário problematizar estes conceitos e situá-los politicamente.
Uma boa ideia de autocrítica pode ser um degrau para evolução e fortalecimento. Evolução, por exemplo, de posturas sectárias, hegemonistas e divisionistas de setores da esquerda nas eleições presidenciais de 2018. Aquele momento, que já era de muita fragilidade política exigia união e concessão, não divisão e assimetria. Daí a necessidade da frente ampla.
Mas a visão que a direita e os liberais promovem destes conceitos são bem diferentes e confundem o debate. Eles defendem uma autocrítica falsa, baseada nos disparates da Lava Jato e na ditadura do mercado financeiro. Mais do que isso, apontam para um caminho no qual a esquerda deve engrossar o caldo dos interesses e projetos da direita e dos liberais. Esta é a dubiedade.
Nas eleições municipais de São Paulo, por exemplo, o prefeito e candidato Bruno Covas disse ao jornal Folha de São Paulo, no dia 14/09, que, ao lado da ex-prefeita Marta Suplicy, está formando uma “frente democrática antibolsonarista”. No dia 26/08, em uma “live” com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a própria Marta já havia falado que aquele encontro marcava a criação de uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro, “uma articulação pluripartidária que começaria já na eleição municipal e tenha como meta definir um nome para o Palácio do Planalto em 2022”, disse o jornal. No Valor Econômico de 14/09 o jogo de interesses está mais explícito. O jornal refere-se à coligação encabeçada por Bruno Covas como uma frente operada por Michel Temer com vistas à eleição de Joao Dória em 2022.
Em que esta frente, com Michel Temer e João Dória no comando, sem a participação dos partidos progressistas, favorece os trabalhadores e a população mais carente de políticas públicas?
Marta, é bom lembrar, é defensora da Lava Jato e, com base na Lava Jato, mesmo sendo uma operação comprovadamente movida por interesses políticos e que não apresentou as provas necessárias para suas acusações, disse que saiu do PT porque o partido instituiu um sistema de corrupção no país.
Esta é a distorção da ideia de frente ampla que tem campeado por aí.
É o pior exemplo. Mas existem outros, de outra natureza, que, ao que parece, até cultivam em seu íntimo o sonho de uma comunhão política pela emancipação social. O que se viu até agora, entretanto, foram apanhados de instituições e personalidades recitando os mesmos discursos de sempre em uma ciranda que se fecha em si mesma.
Neste tsunâmi de desencontros, tiros no escuro, acusações, rupturas e desesperanças que nos atinge desde a queda de Dilma Rousseff, assisti a duas ações amplas que apresentaram horizontes realistas, com base em construções políticas e ideológicas.
Uma delas foi a realização do Primeiro de Maio Unitário das Centrais Sindicais neste ano. As centrais trouxeram para um debate centrado na geração de empregos, valorização do trabalhador e proteção sanitária e econômica no período de pandemia, de Lula à FHC, passando por Ciro Gomes, Marina Silva e Flávio Dino, além de diversos artistas e personalidades. Deram exemplo ao realizar um evento amplo, progressista e baseado em propostas e ideais.
A outra foi o pronunciamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 7 de setembro. Se as centrais acertaram no 1º de maio, foi Lula quem melhor traduziu esse acerto para a política, propondo um novo contrato nacional com um tom equilibrado e agregador. Ainda que ele tenha feito um discurso abrangente, que dialoga com diversos setores da sociedade, a espinha dorsal de seu pronunciamento foi a defesa da classe trabalhadora.
O diferencial, nestes dois exemplos, está na clareza de princípios a partir dos quais uma frente ampla progressista pode prosperar. Uma frente que deveria, antes de tudo, recompor o campo que se desfez entre 2016 e 2018. E, a partir desta base, buscar o diálogo com setores que interferem nos rumos do país, como setores da elite produtiva e financeira interessados no desenvolvimento nacional e, sobretudo, retomar a comunicação com o povo que é quem julgará, através do voto, esta engenharia de ações, alianças e propostas.
Por ora é preciso que fique claro que as ideias de frente ampla e autocrítica são genéricas e permitem diversas interpretações. Desde o conglomerado de partidos capitaneado por Temer e Dória, até a busca de construção política em torno de uma pauta social e trabalhista. Elas podem ser, desta forma, um grande passo ou uma grande armadilha para os trabalhadores e para as camadas mais vulneráveis da sociedade.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Alex
Muito boa reflexão
Rita de Cassia Vianna Gava
Todos contra Bolsonaro dando votos para ele .
Todos sabem quem é centrão. Quem é psdb quem é esquerda.
Mas será que o povo sabe?
Ou trocam e extrema direita por extrema extrema direita?