PUBLICADO EM 29 de dez de 2022
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Ernesto Cardenal: sou um marxista que acredita em Deus; por Jenny Farrell

Ernesto Cardenal em 13 de dezembro de 2014. Foto: Secretaría de Cultura de la Ciudad de México

Desde o surgimento do capitalismo primitivo, a busca do povo trabalhador pela libertação e igualdade para todos – incluindo o direito a uma vida em paz -, não apenas para a classe burguesa em evolução, tem estado na ordem do dia e tem sido frequentemente enquadrada em termos religiosos. Traduções da Bíblia do latim para as línguas vernáculas, certamente desempenharam um papel no entendimento, de que a terra foi feita um tesouro comum para todos, como Gerrard Winstanley (1609-1676) dos Escavadores proclamou após a revolução burguesa inicial na Inglaterra. Este pensamento havia sido bem preparado pelo clero inglês e líder da Revolta Camponesa, John Ball (1338-1381), ou Jan Hus na Boêmia (c. 1369-1414), ou Thomas Müntzer (c. 1489-1525), líder destemido da guerra camponesa na Alemanha, para citar apenas três dos primeiros teólogos. Na Inglaterra, os Ranters e Seekers articularam seus objetivos revolucionários em termos religiosos – assim como o poeta e gravador William Blake um século e meio depois. E, é claro, isto não parou. As Igrejas foram muitas vezes os defensores dos ricos contra os pobres, tomaram partido até mesmo pela guerra; interpretaram a Bíblia para servir seus interesses. Mas também houve muitas vezes as corajosas exceções, às vezes mesmo movimentos, para uma completa democratização das Igrejas cristãs e uma compreensão da Bíblia que enfatiza a igualdade de toda a humanidade, um desejo de criar uma Jerusalém para todos na Terra e não meramente como uma promessa no Céu.

O século XX também trouxe à tona tais teólogos, especialmente a teologia da libertação na América Latina, com seu destaque para a exploração capitalista “pecaminosa”, que eles se engajaram ativamente na tentativa de derrubar, freqüentemente criando comunidades não muito diferentes daquelas dos Coveiros. Famoso entre estes padres revolucionários é Ernesto Cardenal (1925-2020), padre e poeta católico nicaraguense, ativista de esquerda vitalício, marxista e apoiador ativo da revolução sandinista. Ele foi suspenso pelo Papa São João Paulo II em 1984 por violar a lei canônica ao assumir um cargo público como Ministro da Cultura, no dia em que os sandinistas triunfaram em 19 de julho de 1979, cargo que ocupou até 1987. O Papa Francisco lhe restituiu as faculdades sacerdotais em 2019, pouco antes da morte de Cardenal.

Ernesto Cardenal deixou clara sua estreita relação com o marxismo em muitas ocasiões ao longo de sua vida. Em 1984, por exemplo, ele declarou: “Cristo me levou a Karl Marx, não creio que o Papa [João Paulo II] entenda o marxismo”. Para mim, os quatro Evangelhos são todos igualmente comunistas. Sou um marxista que acredita em Deus, segue Cristo, e é um revolucionário em nome de seu reino”.

E em 2015, com 90 anos, nada havia mudado no que diz respeito a ele. Em uma entrevista com o New York Times, ele declarou: “Eu sou um revolucionário. Revolucionário significa que eu quero mudar o mundo”. Ele continuou: “A Bíblia está cheia de revoluções”. Os profetas são pessoas com uma mensagem de revolução”. Jesus de Nazaré toma a mensagem revolucionária dos profetas. E nós também continuaremos tentando mudar o mundo e fazer revolução”. Essas revoluções fracassaram, mas outras virão”.

No início de 2023, honramos Ernesto Cardenal e o movimento revolucionário que ele representava, sua promessa de paz, lendo seu “Salmo 5”.

Salmo 5
[Poema – Texto completo em espanhol]
Ernesto Cardenal
Escucha mis palabras oh Señor
Oye mis gemidos
Escucha mi protesta
Porque no eres tú un Dios amigo de los dictadores
ni partidario de su política
ni te influencia la propaganda
ni estás en sociedad con el gángster.

No existe sinceridad en sus discursos
ni en sus declaraciones de prensa

Hablan de paz en sus discursos
mientras aumentan su producción de guerra

Hablan de paz en las Conferencias de Paz
y en secreto se preparan para la guerra

Sus radios mentirosos rugen toda la noche

Sus escritorios están llenos de planes criminales
y expedientes siniestros
Pero tú me salvarás de sus planes

Hablan con la boca de las ametralladoras
sus lenguas relucientes
son las bayonetas…
Castígalos oh Dios
malogra su política
confunde sus memorándums
impide sus programas

A la hora de la Sirena de Alarma
tú estarás conmigo
tú serás mi refugio el día de la Bomba

Al que no cree en la mentira de sus anuncios comerciales
ni en sus campañas publicitarias, ni en sus campañas políticas
tú lo bendices
lo rodeas con tu amor
como con tanques blindados.

Jenny Farrell, nascida na República Democrática Alemã, vive na Irlanda desde 1985, é professora, escritora e editora. Escreve para a imprensa comunista na Irlanda, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, Brasil e Portugal e editou antologias de escrita da classe trabalhadora na Irlanda

 

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