Desde o início de março que estamos totalmente absorvidos pela crise sanitária, econômica e social que se abateu sobre o mundo e o Brasil. Por isso gostaria de utilizar esse espaço para divulgar a nota publicada no dia 07 de abril pelo GT – Mundos do Trabalho: Reformas, do CESIT[1] GT – Mundos do Trabalho: Reformas, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp). A nota na integra pode ser acessada pelo site do Cesit. Neste artigo será destacado o tópico que trata das diretrizes para políticas públicas universais propostas no documento.
A gravidade da crise exige medidas urgentes de proteção social e garantia de vida as pessoas o momento impõe uma profunda transformação do papel do Estado. Para isso, sua atuação precisa voltar-se para a crescente desmercantilização das relações econômicas, ampliando seu papel na coordenação e no planejamento da produção e distribuição de bens e serviços, seja para enfrentar as urgências desse momento de crise, seja para evitar, no pós-crise, que a sociedade se limite a atender exclusivamente as demandas dos negócios particulares.
Sob esses pressupostos o papel ativo do Estado deve voltar-se para três eixos fundamentais: a garantia do emprego e condições de trabalho; a proteção da renda e outras garantias necessárias ao direito à vida.
1.Garantia do emprego e condições de trabalho
A garantia do emprego pressupõe a manutenção dos vínculos empregatícios com proibição das despedidas durante todo o período de crise, o veto de mudanças nas regras trabalhistas e de proposições que impliquem a fragilização do sistema de proteção social e de direitos. É preciso assegurar a participação sindical nas negociações trabalhistas no âmbito da empresa e das categorias nas medidas relacionadas à gestão da crise. Todo o subsídio, isenções fiscais e melhores condições de crédito às empresas deve ter como contrapartida a preservação dos empregos.
A preservação da vida nesse momento de crise também implica que o Estado assegure o funcionamento dos setores fundamentais, especialmente os vinculados a saúde e sobrevivência das pessoas. Com essa finalidade, esses trabalhadores devem ter sua saúde e vida preservadas e para isso, é imprescindível assegurar condições de trabalho adequadas. É fundamental valorizar esses profissionais e possibilitar um meio ambiente geral de trabalho salubre, com jornadas organizadas e reduzidas, direitos e proteções asseguradas, Equipamentos de Proteção Individual disponíveis, logística de locomoção confiáveis, alimentação saudável, espaços de descanso e a recomposição de suas forças físicas. Além disso, é importante contratar novos profissionais destinados a assegurar o pleno funcionamento das atividades essenciais. Atenção também deve ser dada aos profissionais informais, tais como os trabalhadores de transportes em geral, os motofretistas e bike boys uberizados, que estão na linha de frente da distribuição dos bens e serviços e da mobilidade das pessoas. Nesses casos, é necessário viabilizar a incorporação desses trabalhadores no estatuto de proteção do trabalho e estabelecer mecanismos para que as empresas sejam responsabilizadas pela saúde, remuneração, jornada e condições de trabalho destes.
2, Proteção da renda das famílias
A proteção da renda é outra frente imprescindível para que os trabalhadores (as) possam fazer frente às suas necessidades. Isso passa pelo aporte direto do Estado na complementação salarial, garantindo valor correspondente à renda mensal habitual aos trabalhadores formais. Da mesma forma, o Estado garantiria aos empregados (as) que necessitarem se afastar por necessidade de quarentena, por suspeita da doença, ou por necessidade de cuidado dos filhos, o pagamento de licença remunerada. Trabalhadores informais, desempregados, desalentados, subocupados, trabalhadoras domésticas, imigrantes e refugiados precisam ter renda básica universal garantida. Por fim, cabe garantir às empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais o acesso ao crédito subsidiado com alargamento dos prazos para pagamento.
3. Direito à vida
O direito à vida também está, nesse momento, profundamente atrelado à garantia de segurança alimentar. Trata-se tanto da necessidade de coordenação estatal para a manutenção da logística de abastecimento das cidades quanto para garantir aos pequenos produtores as condições necessárias para prosseguirem na produção de alimentos.
O direito à vida passa, também, pela garantia do isolamento domiciliar a todos aqueles que não estão envolvidos em atividades essenciais. O congelamento de preços de itens da cesta básica, a criação de um programa de distribuição de itens básicos de higiene e alimentação, a isenção do pagamento de taxas de luz, gás, água, IPTU e a garantia de acesso à internet para população de baixa renda são todas medidas primordiais para a garantia desse direito.
O Estado deve imediatamente reorientar a uma reconversão industrial na perspectiva de fortalecer o complexo de saúde, especialmente na produção de equipamentos essenciais para mantê-lo (equipamentos hospitalares, EPIs, medicamentos, pesquisa, infraestrutura e serviços) em condições de atender todos as pessoas que demandam algum tipo de atendimento na perspectiva de salvar vidas.
A realidade atual exige o fortalecimento e alargamento da tela de proteção social para todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras não somente como instrumento de melhoria das condições de trabalho e acesso à seguridade, mas como garantia do direito à vida. A negação ou minimização dessa crise, o desrespeito às diretrizes e recomendações da OMS, a não adoção de medidas emergenciais e urgentes e a não efetivação das já aprovadas que garantam trabalho e renda, põe em risco a saúde dos brasileiros e de sua economia, demonstrando flagrante descumprimento do dever do Estado de concretizar o direito à vida[2].
[1] O texto contou com a colaboração direta de Ana Paula Colombi, Anderson Campos, Bárbara Vallejos Vazquez, Iriana Cadó, José Dari Krein, Ludmila Abílio, Magda Biavaschi, Marcelo Manzano, Marilane Teixeira, Patrícia Rocha Lemos e Pietro Borsari. Pesquisadores(as) que fazem parte também da REMIR – Rede de Estudo e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista.
[2] Em 02 de abril de 2020 a ABJD, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, protocolizou representação perante o Tribunal Penal Internacional, contra o presidente da República pela prática de crime que vitima a população brasileira diante da pandemia do coronavírus. Disponível em https://www.abjd.org.br/2020/04/abjd-denuncia-bolsonaro-por-crime.html.
Marilane Oliveira Teixeira, economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, pesquisadora e assessora sindical