Em 13 minutos, o cineasta Jorge Furtado nos mostra, no curta-metragem “Ilha das Flores” (1989), quão cruel é o desperdício de alimentos e como é impiedosa a sociedade “financeira e financista” na geração de desigualdade social.
Demonstrou também a desproporcional produção de resíduos sólidos não reciclados e, com ironia, mostrou que, em certos momentos, o ser humano, em situação de extrema pobreza, é considerado inferior até mesmo aos animais.
Esse documentário se mantém atual nos dias de hoje. Com certeza, ainda o citaremos em outras ocasiões. Cada vez mais, ele nos faz refletir e direcionar os nossos esforços na busca da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.
“O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.”
Essa definição, de acordo com o site da ONG WWF-Brasil, surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir e propor meios de harmonizar o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
Uma das consequências nefastas da ação degradante contra o meio ambiente e o descaso com a natureza é que, se não agirmos rápido, no ano de 2100, a temperatura média global terá aumentado entre 3,7 e 4,8 °C em relação ao nível pré-industrial.
Em 1986, a Conferência de Ottawa estipulou alguns requisitos para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Entre eles estão a integração da conservação e do desenvolvimento, a satisfação das necessidades básicas humanas, a justiça social e a integração ecológica.
Alguns anos depois, surgiram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). São, ao todo, dezessete e incluem, entre outros, a erradicação da pobreza, o fim da fome, a criação de condições para a boa saúde e para o bem-estar, o acesso a uma educação de qualidade, a promoção da igualdade de gênero, a universalização do acesso à água limpa e ao saneamento básico.
O Brasil deu passos significativos, particularmente nos primeiros 15 anos deste século, ao adotar políticas como a transferência de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, a reserva de vagas nas universidades para alunos de escolas públicas, as cotas raciais e os programas de valorização da mulher. Nos primeiros 10 anos, houve queda acentuada da pobreza extrema: de 14% em 2001 para 4,2% em 2011.
Entretanto, é com tristeza que vemos que, em 2019, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil ficou em 0,761, colocando-o na 79ª posição mundial — em 2014, ocupávamos a 75º num ranking de 188 países.
Ao considerar o IDH ajustado às desigualdades, o Brasil ficou – em 2019 – com um índice de 0,574; e ocupou a 102ª posição. Mas a situação piora ao analisarmos outras variáveis dessa desigualdade: 75,2% das classes A e B é branca; em contrapartida, 72,6% dos pobres são negros, o que é confirmado pelas informações oficiais de que os negros representam 75% das famílias que recebem o Bolsa Família.
Especialistas alertam que a inclusão social por meio de políticas públicas de transferência de renda não é, por si só, efetiva para alterar o IDH-Desigualdade. Por isso, é necessário investir em outros pontos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como energia acessível e limpa, inovação e infraestrutura, ações contra a mudança global do clima, cidades e comunidades sustentáveis, consumo e produção responsável, paz e instituições eficazes.
Sabemos que existem parcelas da sociedade que não aceitam a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável — esses são os que querem passar a boiada em cima da legislação ambiental; os que querem impedir o funcionamento de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), porque essa entidade monitora e divulga os crimes que estão cometendo contra nossas florestas e biomas.
Temos que pensar na inovação tecnológica que não resulte na degradação da natureza e no desflorestamento, como a implantação de veículos movidos à eletricidade e a combustíveis renováveis,o uso de bicicletas nas metrópoles, na ampliação do transporte ferroviário, o reforço ao ecoturismo.
Precisamos incrementar a geração de energia eólica e solar. Para a energia produzida pelos ventos, temos um potencial de geração suficiente para atender o triplo da demanda atual de energia. Portanto, temos aí um fértil campo alternativo e sustentável.
Ainda estamos engatinhando no campo da reciclagem. O país não supera os 2% de resíduos sólidos reusados ou reciclados, um percentual ainda pouco expressivo, quando comparado à campeã em reciclagem, a Alemanha, em que esse número é de cerca de 40%.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), no ano de 2019, 29 milhões de toneladas de lixo foram descartados de maneira incorreta no país. E cerca de 3 mil municípios mantêm lixões a céu aberto — metade deles utiliza os locais para depositar resíduos sólidos.
O Brasil precisa reforçar e colocar em prática o Acordo de Paris., que foi assinado em 2015 e tem como meta conter o aquecimento climático global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais e, se possível, limitar a 1,5°C. 197 países são signatários do acordo. E nós precisamos fazer a nossa parte, ajudando no cumprimento dessas metas. Não podemos titubear por questões ideológicas. Caso contrário, as perdas serão enormes, tanto sociais como econômicas. O mundo inteiro está de olho no Brasil.
Eu sou daqueles que acredita que é possível escrever o futuro. Por isso temos que seguir em frente, buscando uma agenda para fomentar um pacto entre Estado, setor privado e sociedade civil. Sabemos que não é fácil chegar a consensos em certas áreas. Mas, ainda que seja boa a peleia, é preciso que continuemos em busca do objetivo, sem desanimar.
Aparentemente, estamos diante de um daqueles impasses que a humanidade, vez ou outra, atravessa: com a acentuação de todos os problemas mundiais, ocasionados pela pandemia do coronavírus, somos obrigados a voltar nossa reflexão para um horizonte mais amplo.
Sim, por um lado, segue a necessidade de resolvermos as questões imediatas de redução da vulnerabilidade das pessoas: garantia de emprego e renda; recursos orçamentários para a saúde, a fim de que, na dimensão da assistência pública universal, o SUS possa responder às demandas decorrentes da covid-19; igualmente, recursos orçamentários para a educação, para a pesquisa e a inovação tecnológicas, fatores cruciais para a sustentabilidade do nosso Brasil.
É preciso voltar a trilhar o caminho da esperança e redirecionar o desenvolvimento econômico para uma agenda de desenvolvimento sustentável, que vise o crescimento do país, a promoção da igualdade e da justiça social. Uma agenda que siga trilhando o que iniciamos lá atrás, visando a erradicação da pobreza, a geração de emprego e renda e a preservação do meio ambiente.
Paulo Paim, senador (PT/RS), presidente da Comissão de Direito Humanos do Senado Federal
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