As especulações em relação à mudança do comando da Petrobras tomaram o noticiário, mexeram com o governo federal e colocaram luzes sobre o futuro da maior empresa do país.
O que fica apenas nas entrelinhas desse debate, que muitas vezes se restringe à pequena política palaciana, é a discussão sobre o papel que a Petrobras deve cumprir e a quem sua política deve atender.
A União Federal detém cerca de 50,26% das ações ordinárias. Assim, o governo federal indica a maior parte dos integrantes do Conselho de Administração da companhia e o seu presidente.
No entanto, o direito do povo brasileiro de definir a política da Petrobras, por meio da escolha em eleições do Presidente da República, tem sido usurpado pelos interesses dos donos de ações que dão direito ao lucro, com uma maioria que vive fora do país.
A empresa tem 47,51% de investidores estrangeiros, portadores de ações negociadas na Bolsa de Nova York. Apenas 14,96% são investidores brasileiros, enquanto 36,61% correspondem ao governo federal.
Desde o golpe do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, está em curso uma reestruturação da administração da Petrobras, com o objetivo de adaptar a empresa aos interesses dos acionistas privados.
A Operação Lava Jato, que se aproveitou da onda contra a corrupção criada com objetivos políticos pela direita e pelos meios de comunicação empresariais, também operou para diminuir o controle do Brasil sobre o petróleo e a capacidade de atuação da empresa no mercado internacional.
A Petrobras avançava para se consolidar como uma empresa de energia, com a capacidade de exploração de petróleo em águas profundas, refinarias para agregar valor ao óleo, gasodutos e oleodutos, estímulo à construção de plataformas e embarcações da indústria nacional, investimentos na área do etanol e de usinas eólicas e uma rede de distribuição no varejo.
De lá pra cá, a Petrobras sofreu um forte ataque em um processo de dilapidação, com a privatização de empresas subsidiárias (como a BR Distribuidora), refinarias, gasodutos e campos de exploração, desestruturando a sua capacidade de atender os interesses estratégicos do país.
A política de Preço de Paridade de Importação (PPI), por exemplo, foi adotada para agradar os acionistas durante o governo de Michel Temer (PMDB). Esse procedimento determina que o preço da gasolina, do diesel e do gás seja definido pelas variações do mercado internacional.
O PPI era o ponto mais sensível à população da reorientação da empresa com as concessões aos acionistas, por levar ao encarecimento dos combustíveis. Até mesmo durante o governo anterior, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) abriu uma guerra com o mercado pela diminuição do preço da gasolina. Sob o governo Lula 3, essa política acabou.
Esses investidores privados fazem cada vez maiores exigências e querem que a Petrobras se transforme em uma agência de exploração de petróleo e exportação de óleo cru, sacrificando sua dimensão estratégica. Dessa forma, fazem a pilhagem da riqueza da descoberta do pré-sal por meio da distribuição de dividendos.
A Petrobras é a empresa de petróleo que mais distribui dividendos para acionistas. A Elos Ayta Consultoria aferiu que a Petrobras desembolsou US$ 20,28 bilhões em 2023, com um dividend yield (retorno em dividendos) de 29,62% no ano.
A companhia superou 12 petrolíferas de países como Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Canadá. A Exxon Mobil distribuiu US$ 14,94 bilhões em 2023, com um DY de 3,34%, à frente da Chevron e da Shell.
Os acionistas privados não têm compromisso com o povo brasileiro. Não têm nenhum interesse no fortalecimento da Petrobras como pilar do desenvolvimento da Nação.
São 730 mil acionistas (entre pessoas físicas e jurídicas), alguns meros especuladores que operam com ações no mercado financeiro, que usurpam a soberania de 210 milhões de brasileiros. Não admitem que um governo eleito defina a política da companhia para enfrentar os problemas sociais e construir um projeto de desenvolvimento nacional.
A descoberta do pré-sal, com estimativas de conter pelo menos 176 bilhões de barris de petróleo, o fortalecimento da Petrobras como empresa de energia e a aprovação da lei da partilha tiveram impacto no cenário geopolítico internacional.
A espionagem dos Estados Unidos na empresa, revelada nos documentos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), divulgados pelo ex-analista da agência Edward Snowden, evidencia os interesses em jogo.
O governo brasileiro precisa atuar para retomar o controle da companhia e definir uma política para a gestão que tenha como imperativo os interesses da Nação. A Petrobras é a maior empresa do país e está entre as mais importantes do mundo. Assim, é peça chave para o desenvolvimento nacional pela sua capacidade de operação, demanda de investimentos produtivos, qualificação dos seus trabalhadores e alto nível de desenvolvimento tecnológico.
Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares. @igorfelippesan nas redes sociais