Por Marcos Aurélio Ruy
Volta à discussão a necessária reserva de mercado destinada às produções cinematográficas brasileiras. Isso porque a chamada Cota de Tela expirou no final de 2021 e ainda não foi instituída uma nova lei que estabeleça a obrigatoriedade de uma cota mínima de exibição de filmes nacionais nas salas de cinema espalhadas pelo país.
Porque sem essa obrigatoriedade, principalmente os filmes hollywoodianos invadem todas as salas de cinemas, e ainda por cima nos horários que contam com maior número de público, após as 18 horas.
“A Cota de Tela para filmes nacionais é fundamental para garantirmos o acesso do público, que ainda vai aos cinemas, ao conteúdo nacional”, afirma Dani Balbi, roteirista de cinema e deputada estadual pelo PCdoB-RJ. Ela lamenta a decisão do Senado de retirar essa cota do Projeto de Lei (PL) 3696/2023, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (sem partido/AP).
Venda de ingressos para filmes brasileiros caiu de 13% para 1,8%
O que para Randolfe revela o complexo de vira-lata em relação à produção cultural nacional. Dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostram que, em 2021, a participação na venda de ingressos para filmes brasileiros caiu de 13% para 1,8%. Em 2022, a participação foi de cerca de 4,2%. A reação do cinema brasileiro pode persistir, mas com a Cota de Tela isso pode acontecer mais rapidamente.
Ainda que seja pequena a cota, deve girar em torno dos 30%, 25%, mas já dá a “certeza de que os títulos produzidos no Brasil, com atores e atrizes, com força de trabalho do audiovisual nacional, incluindo aí todas as categorias que fazem o audiovisual acontecer serão contempladas com alguma demanda permanente”, assegura Dani. “Esse é o primeiro ponto, essa é a primeira grande importância da Cota de Tela”.
Fica claro que “a Cota de Tela não é apenas sobre economia, mas é especialmente sobre valores culturais e visão de mundo, que tem no cinema um importante veículo de propagação. A proteção do cinema nacional não é apenas praticada pelo Brasil. Vários países a adotam como forma de proteger os seus valores e a sua cultura”, diz Allan Carlos Moreira Magalhães, doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais e autor do livro Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo.
Não é de hoje que o cinema brasileiro enfrenta dificuldades para se impor ao mercado. Por diversos fatores, a produção nacional tem sido muito relegada. É muito comum cinemas exibirem em todas as suas salas produções de Hollywood, às vezes um mesmo blockbuster em diversas salas e horários. Mesmo com a Cota de Tela, os filmes nacionais são prejudicados com exibições em horários “alternativos” com pouca frequência e com isso ficam poucos dias em cartaz.
Por isso, é necessário “uma posição muito clara em relação à ocupação, invasão na realidade, massiva de títulos estrangeiros, que têm uma função política muito clara, que é colonizar os gostos da população local em detrimento do nosso eminentemente regional, da nossa cor local ou das obras com a nossa cor local com todas as suas implicações consequentes”, argumenta Dani.
Os problemas vão além da necessária Cota de Tela. De acordo com a Ancine em 2022, o país contava com 3.401 salas de cinema, a maioria delas em shoppings nas grandes capitais. Mesmo assim, no ano passado o cinema brasileiro teve queda de 46,5% no público e de 35,4% na renda.
Aumentar o número de salas e melhorar a divulgação dos filmes nacionais
Para além das cotas é preciso pensar em aumentar o número de salas de exibição pelo país e melhorar a distribuição e a divulgação dos filmes nacionais. Importante “criar um mercado de reserva que mantenha aquecida a produção local e garanta a empregabilidade de diversas categorias que fazem o audiovisual funcionar”, diz Dani. “Além de ser uma trincheira de resistência à invasão colonial dos enlatados norte-americanos, que fazem acordos espúrios com os exibidores e limitam as salas (para filmes brasileiros)”.
Ela explica que na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi aprovado em primeira votação o Projeto de Lei 1.029/2023, de autoria do deputado Munir Neto (PSD-RJ), apelidado de Cota de Tela Estadual. Para Dani, “a nossa lei apresenta um grande avanço, limitando a exibição de filmes estrangeiros por complexo exibidor, determinando um número máximo de exibição simultânea de títulos que um complexo exibidor pode exibir em suas salas”.
Ela reforça a necessidade de uma regulamentação que “promova a exibição dos títulos nacionais nas faixas de horários de maior audiência, que são aquelas depois das 18 horas e nos finais de semana”.
Além de defender a Cota de Tela, Dani também argumenta em favor da criação de políticas de “fomento que garantam a produção recorrente do cinema e do audiovisual naquilo que tem de diverso com uma distribuição equânime para produtoras que não se situam nos grandes eixos de concentração de produção – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – para o fomento chegar no Norte e Nordeste, por exemplo”.
E também não fiquem concentrados nas grandes capitais para “termos mecanismos de incentivo às filmagens em todo o território nacional e que esse incentivo seja a contrapartida para a promoção das culturas locais”.
Mas para isso, segundo ela, é necessário haver “isenções fiscais mais diretas e também alguns auxílios que podem ser entregues via administração direta ou mesmo em parcerias público-privadas, que ajudem a aquecer o mercado do audiovisual”. Uma “indústria tão poderosa que tem um potencial de lucratividade maior que 500%”, garante.
O estudo da Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022-2026, da PwC, mostra que o cinema brasileiro pode voltar aos níveis de antes da pandemia somente em 2026. Muito importante, então, acelerar esse processo com Cota de Tela e políticas de fomento das produções, além de trabalhar melhor a divulgação e a distribuição dos filmes do Brasil.
Marcos Aurélio Ruy é jornalista
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