PUBLICADO EM 10 de out de 2024
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Direitas fortalecidas, esquerda sitiada; por Igor Felippe Santos

Muitos tiveram uma votação surpreendente e chegaram ao segundo turno, como Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Goiânia, Belém e Manaus. Em São Paulo, conquistou 28% do eleitorado com o Pablo Marçal.

Por outro lado, as máquinas eleitorais dos partidos da direita pragmática utilizaram os recursos do fundo eleitoral e das emendas parlamentares para disputar e vencer eleições. A estratégia desenhada por seus parlamentares no Congresso Nacional, de irrigar os municípios com a distribuição de recursos do orçamento federal, foi exitosa. Levantamento do portal Poder360 aponta que, entre as cidades campeãs de emendas, 98% dos prefeitos foram reeleitos.

O resultado das eleições demonstra que o tabuleiro político como um todo foi arrastado para a direita. As ideias, valores e propostas conservadoras foram defendidas não apenas pelos nomes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas também por candidatos de partidos da direita pragmática. Até postulantes do campo progressista abriram concessões.

Quem lê os jornais da imprensa empresarial ou assiste aos programas de análise da GloboNews consegue identificar o horizonte que parte da classe dominante projeta para o Brasil. O cenário político dos sonhos é a consolidação de um campo de direita, que chamam de “centro”, que possa encerrar a polarização política. Somente assim, de acordo com esses analistas, seria possível livrar o país do perigo da extrema-direita e dos seguidores da doutrina do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Esse tal “centro” não passa de uma mistificação de determinados políticos e analistas que querem forjar um campo político neutro, incolor, inodoro e insípido, pretensamente comprometido com a democracia e com as melhores práticas de gestão pública. É pura ideologia.

O PSD de Gilberto Kassab, braço direito do governador assumidamente bolsonarista Tarcisio de Freitas (Republicanos), não tem uma linha ideológica de centro. É uma sigla com um programa de direita neoliberal que fagocita gestões de qualquer matriz ideológica para fortalecer sua estrutura, a partir da relação com governadores, prefeitos e parlamentares. Assim, conquistou mais de 800 prefeituras pelo país.

As eleições demonstram que, de fato, extrema-direita ideológica e a direita pragmática disputam espaço. No entanto, se retroalimentam e operam em um esquema de “venda cruzada”. A direita oferece dois “produtos” ao eleitorado, criando um cenário de disputa entre radicais de direita e moderados de centro, deixando fora da equação a esquerda.

A expansão da extrema-direita tem gerado um clima de desespero e fortalecido a linha de união de todos contra o pior candidato. Nesse quadro, a direita pragmática atua para se consolidar como a força política capaz de unificar o Brasil, acabar com a polarização e derrotar a extrema-direita.

Para isso, se apresenta como adepta do diálogo com todos os setores para se cacifar como liderança de grandes coalizões, absorvendo inclusive a esquerda. O projeto ideal para um segmento da classe dominante é a generalização do quadro do Rio de Janeiro: sob a ameaça da extrema-direita, projetar um nome de direita com um programa conservador e sustentação do grande capital com apoio de uma esquerda subordinada.

A esquerda está sitiada diante da ascensão das direitas e padece da falta de um diagnóstico da situação política e de uma estratégia que articule ações imediatas com iniciativas de longo prazo para mudar a correlação de forças. Uma parte da esquerda, inclusive, tem aceitado o figurino reservado pela direita pragmática.

Em mais da metade dos municípios brasileiros, não foram lançados candidatos filiados a siglas de esquerda para a prefeitura. Foi a menor participação de partidos do campo progressista em disputas municipais em 20 anos. Além disso, mesmo quando os partidos progressistas têm candidaturas, muitas delas se “disfarçam” para se apresentar como “centro”, abrindo mão de defender as bandeiras da esquerda.

A evolução do cenário político atual pode colocar a esquerda no papel de linha auxiliar da direita pragmática no enfrentamento de uma extrema-direita que catalisa as insatisfações da população. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em 2022 abriu uma janela histórica para a esquerda alterar esse quadro. No entanto, o tempo passa e a oportunidade está sendo perdida.

O Brasil tem, pelo menos, mais dois anos de governo Lula. Nesse período, a esquerda precisa de uma estratégia para se fortalecer e enfrentar a ascensão das direitas, sob o risco de ser derrotada na eleição de 2026 e perder ainda mais espaço na sociedade brasileira no ciclo pós-Lula.

Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato

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