
Os Correios enfrentam ataques e um cerco político e midiático.
Trata-se de cerco ao serviço público. Assim é embalado mais esse ataque aos Correios, que voltaram ao centro de uma ofensiva política e midiática que tenta, há anos, apresentar a estatal como ineficiente, cara e incapaz de cumprir seu papel.
Diante disso, deve ser privatizada — sentencia o mercado.
A narrativa é sempre a mesma: os Correios seriam um “dinossauro estatal” incapaz de competir, cabendo ao setor privado “salvar” o serviço postal brasileiro.
Como lembro em artigo recente, trata-se de uma construção discursiva que omite dados, ignora fatos e serve a interesses muito específicos.
A mídia que só ouve um lado
O que surpreende — e preocupa — é que boa parte da imprensa repete esse discurso sem questionamentos. Matérias, colunas e programas de TV frequentemente dão voz apenas a economistas do mercado, consultores neoliberais ou porta-vozes empresariais que defendem a privatização.
Quase nunca abrem espaço para especialistas contrários à privatização como solução para a empresa, pesquisadores, representantes dos trabalhadores, acadêmicos da área econômica ou integrantes do movimento sindical.
Não se trata de ausência de contraponto por acaso. Trata-se de viés editorial: alinhamento automático entre o discurso privatista e a narrativa que grande parte da mídia comercial adota para tratar das estatais.
Essa assimetria deliberada molda a opinião pública e cria a sensação artificial de consenso — quando, na verdade, o debate está longe de ser resolvido pela lógica da privatização.
O mito da ineficiência
O ataque aos Correios parte de premissas frágeis. A empresa alcança, desde 2019, sucessivos resultados positivos, ampliou sua participação em logística de e-commerce e opera com um dos menores custos postais do mundo.
É também a única instituição presente em todos os municípios brasileiros — inclusive onde o mercado privado jamais teria interesse em atuar.
Mesmo assim, perpetua-se a caricatura de uma estatal falida, marcada por “greves, atrasos e rombos”.
A verdade, porém, é que nenhuma empresa privada aceitaria entregar uma carta a milhares de quilômetros de distância por preço unificado.
É isso que se chama serviço público: universal, igualitário e essencial. A lógica de mercado não oferece substituto para essa missão.
Por que querem privatizar?
Por trás do discurso de modernização e eficiência está um objetivo claro: abrir um filão bilionário para o setor privado. A logística de encomendas é um mercado explosivo, impulsionado pelo e-commerce, e desperta o apetite de grandes operadores internacionais.
Entregar a esses grupos a infraestrutura logística dos Correios — construída ao longo de décadas com dinheiro público — seria um dos maiores movimentos de transferência de patrimônio do Estado para o setor privado.
Trata-se menos de melhorar o serviço e mais de entregar um ativo estratégico a conglomerados interessados em dominar o mercado nacional de encomendas, logística e infraestrutura.
Narrativa como arma política
O ataque contínuo aos Correios é também disputa simbólica. Ao enfraquecer a reputação da estatal, abre-se terreno para justificar a privatização.
Cria-se o problema para depois vender a solução. A imprensa, ao reproduzir sem contraponto essa narrativa, contribui — mesmo sem assumir — para a construção desse cenário.
A comunicação é parte da estratégia privatista: ao silenciar o lado contrário, a mídia ajuda a consolidar a ideia de que “não há alternativa”. Há, sim.
O debate que a imprensa se nega a fazer
Se a grande imprensa ouvisse vozes divergentes, o debate incluiria pontos incômodos para o discurso privatista:
- A privatização aumentaria tarifas?
- O serviço continuaria chegando a pequenos municípios?Empresas privadas aceitariam operar regiões remotas?
- Qual seria o impacto para trabalhadores e para a logística pública?
- Que interesse nacional está envolvido na manutenção de uma rede capilarizada como a dos Correios?
Mas essas perguntas raramente aparecem.
O contraditório é excluído porque exporia as fragilidades do projeto de privatização. E isso não interessa aos grupos econômicos que pressionam pela entrega da estatal.
O que está em jogo
Não se discute apenas uma empresa estatal. Discute-se o modelo de Estado.
A venda dos Correios significaria abandonar o princípio de universalidade do serviço postal, trocar planejamento público por lucro privado e submeter milhões de brasileiros à lógica comercial das grandes plataformas logísticas.
É por isso que o debate precisa ser ampliado, democratizado e desnaturalizado.
Como observei em artigo anterior, a privatização não é destino: é escolha política. E escolhas políticas devem ser feitas à luz, não sob propaganda.
Marcos Verlaine é jornalista, analista político, assessor parlamentar do Diap e redator do HP


























