O nome do Quiosque, palco do crime que vitimou o jovem Moïse Mugenyi intriga pela contradição entre um conceito aprazível e uma realidade brutal. Caetano Veloso, um dos expoentes do tropicalismo, disse que o Quiosque chamar “Tropicália” aprofunda sua dor em constatar que um refugiado da violência a encontra no Brasil.
Mas a tristeza de Caetano com a infeliz coincidência deve residir não no uso inapropriado de uma palavra calorosa, mas sim em sua ironia. Isso porque em 1968 o álbum manifesto Tropicália já apontava para o sacrifício do componente humano no perfil industrial que definia o Brasil moderno. Não à toa a extensão do nome do álbum, que aparece de forma sutil, quase como um negativo do nome principal, é “ou panis et circenses”.
Os tropicalistas pegaram no ar e traduziram de forma metafórica as contradições que basearam a globalização do país a partir dos anos de JK.
Já naquela época, há mais de 50 anos, eles refletiam sobre como a violência é banalizada e manipulada por uma mídia que a espetaculariza. Na música Parque Industrial fica claro como isso passa a fazer parte da paisagem nas cidades massificadas pela máquina de moer industrial. Seu trecho final diz:
“E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
É somente folhear e usar
Porque é made, made, made
Made in Brazil
Porque é made, made, made
Made in Brazil”.
O Tropicália onde se compra cerveja na orla da Barra da Tijuca pode até vender uma imagem de país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.
Mas é, na verdade, síntese do Tropicália Pão e Circo exprimindo no assassinato de Moise por outros jovens “quase brancos, quase pretos”, as contradições da modernização brasileira, o desequilíbrio entre elite e povo e a raiz escravista e colonizada que sustenta o avanço industrial.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Ouça aqui a música Parque Industrial:
Val Gomes
Caetano Veloso também já disse, repleto de razão, que precisamos de uma segunda Abolição no Brasil.
Rita de Cassia Vianna Gava
Triste coincidência