A lógica do governo Jair Bolsonaro em relação ao papel das instituições públicas na sociedade brasileira é motivo de profunda preocupação, tanto pelo despreparo do novo governo quanto pelo preconceito a tudo que tem o selo do Estado. As consequências disso poderão ser trágicas para quem depende do Estado para sobreviver, como os vulneráveis, e também para o próprio setor privado.
O pressuposto governamental é de que tudo que parte do Estado está associado a corrupção ou custará mais caro do que comprar do setor privado, além de supostamente se destinar a quem não merece. Ou seja, para o governo, todo ente público, além de corrupto, seria perdulário, por supostamente gastar muito e mal.
Assim, em nome do combate à corrupção e ao suposto desequilíbrio e descontrole das contas públicas, o governo tem se empenhado para desmontar o Estado brasileiro, seja prometendo vender todas as empresas estatais e promovendo a redução e sucateamento da máquina pública, seja propondo reformas que suprimem direitos, sem qualquer preocupação com a dignidade da pessoa humana e de quem depende de serviços e programas do Estado.
O desmonte do Estado se materializa, de um lado, pela omissão e ausência de condições materiais para o funcionamento da máquina pública, a partir do contingenciamento de recursos, e, de outro, pelo afrouxamento da legislação, da fiscalização e do controle estatal aplicáveis aos agentes privados no cumprimento de suas obrigações para com os direitos humanos e o meio ambiente, entre outras.
No primeiro caso, além da omissão dos governantes e do contingenciamento de recursos, a situação é agravada pela inexperiência e desorganização da nova equipe, que está mais preocupada em fazer julgamentos morais e condenar o passado do que ser propositiva ou projetar algo alternativo para o futuro. É o tipo de gente que prefere condenar à escuridão a acender uma vela e que, ao adotar postura policialesca, impede que haja qualquer debate no âmbito interno do governo que possa questionar decisões equivocadas e enviesadas politicamente no sentido de combater o “esquerdismo”.
No segundo caso, do afrouxamento das obrigações, além da servidão ao mercado, parte do pressuposto de que há excesso de rigor, tanto na legislação quanto na fiscalização feita pelos órgãos de controle, e isto estaria prejudicando a eficiência e a produtividade da economia, e, em consequência, dificultando a atração de investimentos. Confunde simplificação administrativa com total desregulação, repetindo os erros dos regimes neoliberais dos anos 1970 e 1980, que, sob o comando dos “psicopatas econômicos”, geraram aumento da pobreza e a captura do Estado pelos mercados, em todo o mundo.
Essa visão de mundo traz duas consequências graves. A primeira recai sobre os mais vulneráveis, que dependem de prestação do Estado. A segunda pode levar à negligência no cumprimento de obrigações por parte do setor privado.
A primeira consequência é que a pessoa que depende de serviços públicos, da saúde pública, da educação pública, da assistência social ou dos programas governamentais de distribuição de renda, ficará à mingua, se o Estado desativar ou perder a capacidade de bancar tais programas e serviços. Isso, certamente, colocaria em risco a paz social no País.
A segunda consequência é que o objetivo de maximizar o lucro das empresas pressiona os gestores para minimizar custos e despesas, o que poderá levar à contenção de investimento em prevenção e cumprimento de normas de segurança do trabalho e no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos, como bem demonstram os recentes episódios envolvendo o setor de mineração.
Neste último aspecto, de afrouxamento dos marcos regulatórios e fiscalizatórios, aumenta, ainda mais, a responsabilidade social e os cuidados preventivos das empresas, porque a reparação de eventuais danos certamente custará muito mais, tanto em termos de imagem quanto financeiros.
O presidente e seus seguidores estão mais preocupados em destruir o sistema político e a chamada “velha política”, sem nenhuma clareza sobre o que colocar no lugar. Estão cegamente convencidos de que a destruição do Estado e da forma atual de fazer política leva, automaticamente, à solução de todos os problemas, porque supostamente teria atacado a raiz da corrupção, como se apenas isso já fosse um fim em si mesmo, suficientemente para justificar a guinada autoritária.
É um tipo de visão míope, na qual o presidente e seu governo está gastando todo seu capital político, com perda acelerada de legitimidade, sem apresentar resultados nem resolver os problemas reais do País. Vai gastar todo o “capital” na demolição e depois não terá “recursos” para reconstruir em novas bases. É uma lógica tosca, própria dos fundamentalistas, que acreditam cegamente na estratégia de negação.
Nesse cenário, ou o governo revê seus valores e visão de mundo, calibrando suas propostas na economia e na área social, ou a paz social e a estabilidade dos negócios estarão em risco. Esse é o preço que a sociedade pode pagar caso persista esse tipo de lógica governamental. A visão extremada, fundamentalista, o preconceito nem o ressentimento são bons conselheiros. O equilíbrio e o bom senso são dois requisitos fundamentais para bem governar.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor do Diap