O ano político recomeçou em 1º de fevereiro e dali até aqui, a esquerda já sofreu 3 derrotas significativas. As 2 primeiras foram nos pleitos que elegeram os presidentes da Câmara e do Senado, ainda que nesta última não tenha tido essa conotação. A terceira se deu na aprovação, pela Câmara, do projeto de lei (PLP 19/19) que determinou a “autonomia” do Banco Central.
Importante não esquecer que há mais 3 décadas, os agentes financeiros tentavam aprovar essa orientação do Consenso de Washington. A “autonomia” do BC é o eufemismo usado pelos agentes financeiros, o mercado e a imprensa para se apropriar definitiva e legalmente da autoridade monetária do País. Por que conseguiram aprovar agora?
As 3 derrotas foram por placares bastante elásticos e não deixam margem para dúvidas quanto a correlação de forças adversa no Congresso, que a rigor representa a correlação de forças na sociedade.
Essa onda não começou agora — impressionante que algumas forças políticas ainda não perceberam isso —, assim é importante fazer uma linha do tempo para que fique inequivocamente registrado onde a esquerda está situada nessa correlação de forças política.
Cronologia das derrotas
Em 2016, Dilma foi impedida e afastada da Presidência. Na Câmara, o placar foi 367 a 137, 7 abstenções e 2 ausências1. No Senado, o impedimento foi admitido por 55 a 22 e 2 faltaram2. A presidente foi cassada pelo Senado por 61 a 203.
Logo em seguida, ainda em 2016, a Câmara aprovou, em 1º turno, o Teto de Gastos. Foram 366 a 111.
Em 2017, a Câmara aprovou a Terceirização, por 231 a 188 e 8 abstenções. Este placar foi relativamente apertado.
Em seguida, ainda em 2017, foi a vez de a Câmara aprovar a Reforma Trabalhista, por 296 a 177.
Esta foi a era Temer, o breve, mas desastroso para o povo e os trabalhadores.
Em 2019, 1º ano do trágico governo Bolsonaro, a Câmara aprovou, em 1º turno, a Reforma da Previdência, por 379 a 131.
Os números falam por si
No pleito municipal, em 2020, a principal força política do campo progressista, pela 1ª vez desde a redemocratização, não elegeu nenhum prefeito de capital. Fez 183 prefeitos4. No 1º turno foram 179. O número de vereadores caiu a patamares de 2004 (2.800). Tiveram êxito 2.600.
Em 2012, o PT elegera 630 prefeitos e 5.185 vereadores. Era o 3º do ranking.
Em 2016, foram 2.808 vereadores, uma queda de 45,8%. Desceu para a 10ª posição. Despencou também em relação ao número de prefeitos (256).
As 3 derrotas e a frente de esquerda
A 1ª foi no Senado, que elegeu Rodrigo Pacheco (DEM-MG) presidente da Casa, inclusive com apoio do PT, por 57 a 21 votos na senadora Simone Tebet (MDB-MS). Ainda que no Senado o embate não tenha sido entre esquerda e direita, Pacheco representa os interesses bolsonaristas, numa versão mais equilibrada.
A 2ª foi na Câmara, que escolheu no 1º turno Arthur Lira (PP-AL), por 302 a 145 votos em Baleia Rossi (MDB-SP). Votaram em Baleia, os partidos de oposição e alguns deputados leais a Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulador do bloco que lançou o emedebista, e ao próprio Baleia.
A 3ª foi a aprovação da “autonomia” do BC, que o jornalista Altamiro Borges chama em artigo de a “raposa no galinheiro”. Foram 339 votos a 114. Aqui situa-se a esquerda na Câmara. O perfil do Congresso, em particular o da Câmara, em grande medida, sintetiza o eleitor brasileiro.
Em certa medida, salvo melhor juízo, se a eleição presidencial fosse hoje este seria o escore numa disputa vis a vis entre a direita e uma esquerda fragmentada.
Direita liberal e extrema-direita
Ao proferir a posição do PSol na votação da “autonomia” do BC, o deputado Glauber Braga (RJ) disse que a direita liberal se juntara à extrema-direita para aprová-lo.
Cabe registrar — para aqueles que talvez estejam imaginado que o partido de Guilherme Boulos representa o novo no campo da esquerda —, que de Heloisa Helena (2006) a Boulos (2018), o partido decaiu no plano eleitoral. Em 2006, a alagoana, em coligação com PSTU e PCB, obteve 6.575.393 votos5 na disputa presidencial. Em 2010, Plínio de Arruda Sampaio saiu das urnas com 886.816 votos6. Em 2014, Luciana Genro obteve 1,6 milhão votos7. E Boulos, em 2018, recebeu 617 mil votos8.
Numa disputa direta entre estas 2 posições político-ideológicas — direita e esquerda (fragmentada) — de 2016 até aqui, a direita tem se sobressaído, pois há evidente hegemonia desse espectro político9, ainda que em 2020, tenha sido em sua versão politicamente mais civilizada.
Todos os números acima evidenciam, de forma inequívoca, que frentes de esquerda, até então, têm se mostrado insuficientes para superar essa hegemonia da direita (neoliberal e conservadora) erigidas a partir do impeachment da ex-presidente Dilma.
As vitórias de Lula em 200210 e 200611 foram sob ampla frente social. As de Dilma, em 201012 e 210413, sob amplas frentes políticas.
Marcos Verlaine, jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap