Atendendo a grupos religiosos extremistas, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves divulgou, nesta sexta-feira (10), a proposta de um projeto em defesa da abstinência sexual entre jovens, com objetivo de combater a gravidez na adolescência.
A ministra promete conversar com o ministro da Educação, Abraham Weintraub para pregar essa questão nas escolas. Portanto, esse tema envolve a toda a comunidade escolar e a sociedade, porque debater as questões de gênero sem tabus e em profundidade, com ampla liberdade, esses setores e esse governo não querem, mas doutrinar jovens ao sexo somente após o casamento pode.
A questão da sexualidade juvenil precisa de um amplo trabalho envolvendo toda a sociedade para a proteção das crianças e jovens. Um trabalho baseado na informação séria e no diálogo. Propor abstinência sexual é tapar o sol com a peneira. Sexo apenas depois do casamento é a proposta do patriarcalismo para a submissão da mulher e nunca resolveu nada.
Agora vem esse governo, que não faz nada para combater a violência doméstica e ao abuso sexual, inclusive de crianças, propor uma cartilha retrógrada para reprimir a sexualidade da juventude e proteger a ação misóginos, que matam anualmente quase cinco mil mulheres no país.
Além de ser o quinto país mais violento contra a mulher, em 2019, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 1,6 milhão de mulheres foram espancadas e esse número vem crescendo com o abandono das políticas públicas em defesa dos direitos da mulher, da juventude e dos LGBTs.
A situação é tão grave que o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP, divulgado o ano passado, mostra que 53,8% das vítimas de estupro tinham até 13 anos e a maioria dos crimes ocorreu dentro de casa e por pessoas conhecidas das vítimas.
Então, um trabalho de conscientização sobre a sexualidade envolve a proteção da infância e da juventude e o diálogo para esclarecer amplamente todas as questões pertinentes a essa atividade vital, que é a questão do sexo.
Em vez de propor repressão, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos deveria se preocupar em combater a violência, defender um debate sem tabus sobre a questão de gênero e propor um amplo diálogo entre os ministérios em como desenvolver esse debate dentro das escolas.
Porque o debate sobre as questões de gênero dentro das escolas é essencial para combater a violência doméstica e a pedofilia. Um debate bem feito pode ensinar às crianças a diferenciar onde acaba o carinho e começa o abuso porque grande parte dos abusos ocorre dentro de casa e por pessoas de confiança das vítimas.
Usar o argumento de abstinência sexual para coibir a gravidez na adolescência é fugir do real debate da vida. Porque sexo faz parte da vida e reprimi-lo só acarretará mais problemas com mais violência e mais estupros. E é exatamente isso que combatemos.
Portanto, o debate de gênero nas escolas é uma questão inclusive de saúde pública. As crianças, os jovens e as famílias precisam aprender a respeitar o outro, respeitar a orientação sexual e combater todo tipo de discriminação e violência, além do assédio que acomete a maioria absoluta das meninas e mulheres. Esse governo faz justamente o contrário, insuflando a violência.
A sociedade precisa ser educada a respeitar as pessoas e a vida. E não se respeita a vida sendo contra o aborto mesmo em casos de estupro, responsabilizando a vítima pela violência e premiando o algoz com a paternidade.
À escola compete promover esse amplo debate sem medo, com qualidade e com diálogo, para levar informação pertinente à juventude, ensinando inclusive a prevenir gravidez indesejada. E principalmente mostrando que o sexo é natural e deve ser sempre consensual e com muito respeito aos envolvidos.
Como canta Chico Buarque em o Que Será (A Flor da Pele) “O que será que me dá/Que me queima por dentro, será que me dá/Que me perturba o sono, será que me dá/Que todos os tremores me vêm agitar/Que todos os ardores me vêm atiçar/Que todos os suores me vêm encharcar/Que todos os meus nervos estão a rogar/Que todos os meus órgãos estão a clamar/E uma aflição medonha me faz implorar/O que não tem vergonha, nem nunca terá/O que não tem governo, nem nunca terá/O que não tem juízo”, a abstinência sexual nunca foi solução para as questões da sexualidade humana.
Francisca Rocha é Secretária de Assuntos Educacionais e Culturais do Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), secretária de Saúde da Confederação Nacionaldo Trabalhadores na Educação (CNTE) e dirigente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB-SP).