O professor Darcy Ribeiro, membro dileto de uma geração de intelectuais que pensaram o Brasil na totalidade do seu processo de formação histórico-social e que participaram ativamente da luta política por um projeto de desenvolvimento nacional, cunhou uma frase explicativa do problema da Educação conduzida sob os ditames e interesses das classes dominantes locais: “A crise da Educação não é uma crise, é um projeto”.
Faço essa digressão para a partir desse raciocínio discutir e explicitar o conteúdo da decisão do Governo Eduardo Leite em reabrir as escolas estaduais para atividades físicas e presenciais. Não é um fato isolado, tampouco uma medida aleatória ou fora do contexto, mas parte de um projeto – pensado, calculado, articulado e objetivo.
Uma rápida retrospectiva sobre o passo-a-passo mostra, sem margens para quaisquer dúvidas, que a iniciativa vinha se desenrolando à revelia dos dados científicos, epidemiológicos e sanitários. A publicação do decreto que autorizou redes privadas e municipais a retomarem as aulas e indicou uma data de reinício na rede estadual foi acompanhada do rebaixamento da bandeira para a cor laranja, pelo julgamento do TJ-RS a favor do corte de ponto dos grevistas e pela antecipação do calendário de retorno para ocorrer antes da Assembleia Geral do Cpers.
A declaração do Secretário de Educação, Faisal Karan, de que os professores e funcionários teriam desconto salarial caso se recusassem a comparecer e as mudanças nos critérios do grupo de risco são meros reforços na política de pressão, constrangimento e ameaça. Colocam, nesses termos, uma mira no peito dos educadores, prontos a serem abatidos a qualquer sinal de resistência, numa lógica perversa que contrapõe emprego e salário versus saúde e vida.
Após meses de regime de trabalho intensivo e extensivo com a introdução do ensino remoto e da plataforma do Google ClassRoom, acompanhadas de exigências acima do que a carga horária contempla e suporta, com adoecimento físico e mental dos trabalhadores em educação, o novo golpe visa destroçar ainda mais a estima, a identidade e a condição laboral dos educadores.
O projeto se desnuda e lembra, na prática e na comparação histórica, as ações de ícones do Neoliberalismo que quando de posse dos instrumentos de governo e poder, trataram de esmagar a organização dos trabalhadores. Assim fizeram Tatcher contra os mineiros, Reagan contra os aeroviários, FHC contra os petroleiros. Destruir as categorias e seus sindicatos e movimentos representativos é fórmula padrão dos neoliberais.
O senso de unidade entre os educadores e a compreensão da aliança necessária entre os diferentes segmentos da comunidade escolar precisa ser colocado à frente de toda a luta. No campo profissional, a escolha e os caminhos são duros, mas é a vida que está em jogo. No terreno em que convergem educadores, estudantes e famílias, é preciso deixar claro que mesmo sendo importante a decisão de não assinar termo de responsabilidade e não enviar os filhos à escola, isso não é suficiente, pois a questão envolve não permitir a reabertura das escolas.
Cabe finalizar com uma pergunta simples: Sr. Governador, por quê ao longo de toda a pandemia você se negou a conversar com o educador? Ao que parece, a resposta está no projeto. Qualquer diálogo ou negociação seria um obstáculo ao objetivo de conformar um modelo de Educação, Estado e Sociedade que tivesse na Democracia, na Cidadania e no Bem-Estar do povo os seus princípios e finalidades. A volta às aulas – contra a qual lutaremos com toda a força – é uma etapa fundamental para atingir propósitos destrutivos, opressores e retrógrados.
Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato
Jaqueline Moll
Parabéns pelo texto! Explícita a coluna dorsal do projeto de destruição da educação pública em curso no RS como parte de um projeto maior de subordinação. Sigamos na resistência!
Daniela Pedra Mattos
Realmente o que vivenciamos não somente no estado no RS mas em âmbito nacional, é retrógado, desrespeitoso e sobretudo, desumano.No entanto, há uma inércia que assusta. Políticas públicas sendo suprimidas em todas as áreas, um desprestígio à vida, colocando a “politicagem” à frente de um Vírus…e do lado de quem é afetado só silêncio…estou com medo.
Marisa
Exatamente. Bom dia e à luta companheiros.
Greice Lisian Folk Fonseca
Muito bom o texto! A reabertura de escolas sem condições de segurança à saúde de todos os trabalhadores em educação e de todos os estudantes é um projeto genocida.
Mari Cléia Fernandes Paveglio
Se o prefeito do município decretar não haver aulas presencial no município, fica aquele município sem haver aulas nas escolas estaduais?
Como o Conselho Escolar e CPM podem ajudar?
Milene
Então vamos criar núcleos de projetos nas escolas, nos círculos de vizinhança, fazer/ação para começar a mudança do projeto que aliena para o projeto que liberta com autonomia e cidadania.
Excelente texto, Alex! Parabéns, estamos juntos nessa!
Selene Barboza Michielin
Muito boa reflexão. A comunidade escolar precisa estar no debate . Exercer seu papel na gestão democrática. Vidas importam