PUBLICADO EM 08 de maio de 2019
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A empresa e os direitos humanos no Brasil

A política pública de direitos humanos no Brasil ganhou centralidade no governo Fernando Henrique Cardoso e foi impulsionada nos governos do PT (Lula e Dilma), inclusive com a mudança de status da secretaria então existente no Ministério da Justiça, que passou para a Presidência da República e depois foi transformada em ministério. Embora tenha sido mantida no governo Temer, a pasta teve sua importância diminuída e no governo Bolsonaro não apenas perdeu o status de ministério como foi rebaixada a uma secretaria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Direitos humanos, como regra, englobam amplo escopo temático, como direitos civis e políticos, direito ambiental, direito do consumidor, direito do trabalho, nos matizes de propriedade privada, inclusão digital, vida, moradia, distribuição de renda, liberdade de pensamento, expressão e crença, educação, saúde, trabalho, igualdade racial, de gênero e orientação sexual, e direitos dos indígenas, entre outros.

Neste texto vamos tratar dos direitos humanos no setor privado na perspectiva da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem recomendado práticas que respeitem as disposições legais, sociais e regulatórias de cada país, sem negligenciar os princípios e padrões de conduta, principalmente em relação à proteção dos mais vulneráveis.

Na visão da ONU, o crescimento, o investimento e a geração de riquezas devem se dar de forma sustentável e como tal devem promover a inclusão social, respeitar o meio ambiente e os direitos humanos. Por essa lógica, a livre iniciativa, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são pilares do Estado democrático de direito.

Nessa perspectiva, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou, em julho de 2011, o documento “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos”, estruturado em três pilares: proteger, respeitar e reparar.

Os “Princípios Orientadores sobre Empresa e Direitos Humanos”, cujo conteúdo tem sido divulgado e recomendado ao setor produtivo pela ONU, poderão se transformar num tratado internacional, tendo, inclusive, sido criado um grupo de trabalho, sob a coordenação do Estado do Equador, com essa finalidade.

O governo brasileiro, no esforço de implementação dos princípios de proteção e reparação de direitos humanos nas atividades empresariais, editou o Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018, que “estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos”, bem como outras normas em nível de portaria com essa finalidade.

A última vez que o tema ganhou visibilidade na agenda governamental foi exatamente em novembro de 2018, na solenidade de assinatura e divulgação do referido decreto, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no exercício da Presidência da República, participou do lançamento da Carta Aberta Empresas pelos Direitos Humanos, um compromisso do Estado brasileiro e de empresas em favor da proteção dos direitos humanos, subscrita, na ocasião, por várias autoridades, institucionais estatais e por empresas.

Desde então, o tema perdeu espaço na agenda oficial. A formulação, implementação e fiscalização das políticas de direitos humanos, em suas variadas dimensões, inclusive na arena empresarial, está distribuída em vários órgãos e ministérios, cabendo a coordenação dessas dimensões, pelo menos do ponto de vista formal, ao atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Entretanto, uma característica da administração pública no Brasil é a instabilidade das políticas públicas, quase sempre marcadas pela descontinuidade em razão de mudanças, seja por orientação política, seja por novos arranjos institucionais. No caso da política de direitos humanos acontecem, simultaneamente, as duas coisas no governo Jair Bolsonaro, com a perda de status e de prioridade na agenda governamental.

No novo governo, por razões fiscais e políticas, o funcionamento da máquina pública será prejudicado, tanto por suposta falta de condições materiais e ausência de reposição de pessoal, quanto pela decisão política de flexibilizar a legislação, a fiscalização e o controle sobre o setor privado, sob o fundamento de atrair investimentos.

O pressuposto do novo governo é que há excesso de rigor, tanto na legislação quanto na fiscalização pelos órgãos de controle, e isso estaria prejudicando a eficiência e a produtividade da economia, e, em consequência, dificultando a atração de investimentos. A tendência, em função desse tipo de visão, é que os órgãos de fiscalização e controle sob o comando do governo federal sejam esvaziados.
A orientação pública é de que antes de punir, com a interdição ou multa sobre o empreendimento, haja uma orientação mais educativa e preventiva, com alerta e advertência antes da atuação, mas, na prática, além de não darem condições para que esses órgãos funcionem, tem havido forte interferência das autoridades na gestão e diversas desautorizações de ações de fiscalização, inclusive com perdão ou anulação de multas.

Com essa nova orientação, em que o governo deixa os marcos regulatórios e fiscalizatórios frouxos, a responsabilidade da empresa aumenta, na medida em que o objetivo de maximizar o lucro pressiona os gestores para minimizar custos e despesas, o que pode levar à contenção de investimento em prevenção e no respeito aos direitos humanos.

E a futura reparação por eventuais danos, certamente, custará muito mais, tanto em termos de imagem quanto financeiros, do que os investimentos em controle e prevenção, bem como no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos, como bem demonstram os recentes episódios envolvendo o setor de mineração.

Nesse novo cenário, no qual o governo criminaliza os movimentos sociais, defende relações de trabalho “próximas da informalidade”, vê os direitos humanos como proteção a “bandidos” e enxerga a defesa do meio ambiente como “trava ao investimento”, as empresas precisam ampliar a sua política compliance para além dos aspectos jurídicos, alcançando também os aspectos operacionais, inclusive com uma forte autorregulação, estreitar laços com as organizações da sociedade civil nas áreas ambiental e de direitos humanos, e, sobretudo, adotar as ações preventivas e protetivas, revendo suas estratégias, avaliando seus sistemas de controle e supervisão, assim como a gestão de riscos, sob pena de reparar danos futuros.

Para tanto é fundamental, de um lado, que as empresas assumam o compromisso com “as diretrizes com os direitos humanos da ONU” e incorporem práticas de responsabilidade social, e, de outro, mantenham contato com os movimentos sociais e com os órgãos de fiscalização e controle, inclusive a Procuradoria-Geral dos Direitos do Cidadão do Ministério Público e a Defensoria Pública, a quem compete cobrar ações efetivas do governo na implementação dos princípios inscritos no inciso I, art. 1º (dignidade da pessoa humana), no art. 3º (objetivos fundamentais da República), art. 6º e 7º, e art. 170 da Constituição Federal, sob pena de completo abandono dos vulneráveis que dependem dos direitos humanos e do meio ambiente.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor licenciado do Diap

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