
Carnaval de Rua no Recife em 2019. Fotos: Andréa Rêgo Barros/PCR
Por Marcos Aurélio Ruy
As canções vão desde a negação do trabalho como na marchinha de Carnaval “Trabalhar, Eu Não” (1946), de Almeidinha (Aníbal Alves de Almeida)até a suavidade de “Noite dos Mascarados” (1966), de Chico Buarque, onde o trabalho perpassa a festa popular e é ignorado pelos foliões.
Tem ainda: “Daqui Não Saio” (1949), de Paquito ((Francisco da Silva Fárrea Júnior; 1915-1975), e Romeu Gentil (1911-1983), sobre a questão da moradia, “Chuva, Suor e Cerveja” (1975), de Caetano Veloso, onde o trabalho fica longe da folia e “Yes, Nós temos Bananas” (1938), de Braguinha ou João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga; 1907-2006).
Entre os anos 1930 e 1970, as marchinhas feitas especificamente o Carnaval faziam muito sucesso durante a animação dos bailes duranta a folia. Muitas delas de tão grande qualidade que se imortalizaram.
A marchinha que abre esta seleção carnavalesca, é de autoria de Aníbal Alves de Almeida, conhecido como Almeidinha. Já no título comprova que Carnaval e trabalho dá samba sim, até porque a realização da festa mais popular do Brasil exige muito trabalho e dá muitos empregos durante o ano todo nos monumentais desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo, nos trios elétricos em Salvador e no frevo nas ruas de Olinda e Recife, com os grandes blocos como o Galo da Madrugada, considerado o maior bloco carnavalesco do mundo.
Milhões vão às ruas festejar com irreverência, mas de acordo com Almeidinha: “Trabalhar, eu não” porque “Eu trabalhei como um louco,/Até fiz calo na mão,/O meu patrão ficou rico,/E eu, pobre sem tostão”.
Trabalhar, Eu Não (1946), de Almeidinha (Aníbal Alves de Almeida)
Interpretação: Onésimo Gomes (1914-1999)
Quem quiser suba o morro,
Venha apreciar a nossa união.
Trabalho, não tenho nada,
De fome não morro não,
Trabalhar, eu não, eu não!
Eu trabalhei como um louco,
Até fiz calo na mão,
O meu patrão ficou rico,
E eu, pobre sem tostão,
Foi por isso que agora,
Eu mudei de opinião.
Trabalhar, eu não, eu não!
Trabalhar, eu não, eu não!
Outra marchinha que ainda encanta carnavais é “Daqui Não Saio”, de Paquito e Romeu Gentil. A questão da moradia quando não existia nem o Minha Casa, Minha Vida, que está sendo extinto pelo atual governo.
Então diga: “Onde é que eu vou morar?/O senhor tem paciência de esperar/Ainda mais com quatro/filhos/Onde é que vou morar?”, questionam os autores. E todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores ressoam essa pergunta em pleno século 21, sem nenhum programa de habitação: “Onde é que eu vou morar?”.
Daqui Não Saio (1949), de Paquito e Romeu Gentil. Interpretação: Vocalistas Tropicais
Daqui não saio
Daqui ninguém me tira
Onde é que eu vou morar
O senhor tem paciência de esperar
Ainda mais com quatro filhos
Onde é que vou morar
Daqui ninguém me tira
Onde é que eu vou morar
O senhor tem paciência de esperar
Ainda mais com quatro filhos
Onde é que vou morar
Sei que o Senhor tem razão pra querer
A casa pra morar, mas onde eu vou ficar
No mundo ninguém perde por esperar
Ainda dizem por aí que a vida vai melhorar
O compositor Carlos Alberto Ferreira Braga, conhecido como João de Barro ou Braguinha, entre os mais frequentes no Carnaval, emplacou inúmeros sucessos para a folia. Quem nunca cantou “As Pastorinhas” (com Noel Rosa), “Tourada em Madri” (com Alberto Ribeiro), “A Saudade Mata a Gente” (com Antônio Almeida) e “Chiquita Bacana (com Alberto Ribeiro).
“Yes, Nós Temos Bananas”, ironiza o complexo de vira-lata da elite brasileira, numa época em que o Brasil era majoritariamente agrícola. Além de rir disso, a marchinha mostra que o país pode muito mais.
Yes, Nós temos Bananas (1938), de Braguinha e Alberto Ribeiro (1902-1971)
Interpretação: Ney Matogrosso
Yes, nós temos bananas
Bananas pra dar e vender
Banana menina tem vitamina
Banana engorda e faz crescer
Vai para a França o café, pois é
Para o Japão o algodão, pois não
Pro mundo inteiro, homem ou mulher
Bananas para quem quiser
Mate para o Paraguai, não vai
Ouro do bolso da gente não sai
Somos da crise, se ela vier
Bananas para quem quiser
Caetano Veloso também não ficou de fora das marchinhas. Em “Chuva, Suor e Cerveja”, o artista baiano canta a alegria da festa de Momo, dias em que ninguém trabalha para cair na folia, sem se desfazer de ninguém e com respeito a todo mundo.
Chuva, Suor e Cerveja (1975), de Caetano Veloso
Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo de perder a cabeça
Não saia do meu lado
Segure o meu pierrô molhado
E vamos embolar
Ladeira abaixo
Acho que a chuva
Ajuda a gente a se ver
Venha, veja, deixa
Beija, seja
O que Deus quiser…
A gente se embala
Se embora se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja…
Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo de perder a cabeça
Não saia do meu lado
Segure o meu pierrô molhado
E vamos embolar
Ladeira abaixo
Acho que a chuva
Ajuda a gente a se ver
Venha, veja, deixa
Beija, seja
O que Deus quiser…
A gente se embala
Se embora, se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja…
Entra praticamente como brinde a canção “Noite dos Mascarados” (1966), pela magia com que Chico Buarque ilustra o tema com a relação de dois foliões e a busca da felicidade num mundo onde o normal é ser infeliz no trabalho por causa da alienação. Mas no Carnaval brincam juntos o que “nada em dinheiro” e a que “não tem um tostão”.
Outro destaque é que essa canção é das poucas que juntou as vozes de Chico Buarque e da cantora Elis Regina (1945-1982).
Noite dos Mascarados (1966), de Chico Buarque. Intérpretes: Chico Buarque e Elis Regina
Ele: Quem é você?
Ela: Adivinhe, se gosta de mim
Os dois: Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
Ele: Quem é você, diga logo
Ela: Que eu quero saber o seu jogo
Ele: Que eu quero morrer no seu bloco
Ela: Que eu quero me arder no seu fogo
Ele: Eu sou seresteiro
Poeta e cantor
Ela: O meu tempo inteiro
Só zombo do amor
Ele: Eu tenho um pandeiro
Ela: Só quero um violão
Ele: Eu nado em dinheiro
Ela: Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar
Ele: Eu, modéstia à parte
Nasci pra sambar
Ela: Eu sou tão menina
Ele: Meu tempo passou
Ela: Eu sou Colombina
Ele: Eu sou Pierrô
Os dois: Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser